terça-feira, 28 de agosto de 2007

Um escravo de suas vontades...


Se vier um dia em que ao momento

Disser: Oh, pára! és tão formoso!

Então algema-me a contento,

Então pereço venturoso!

Repique o sino derradeiro,

A teu serviço ponhas fim,

Pare a hora então, caia o ponteiro,

O Tempo acabe para mim!


Aos olhos de Fausto, aquele "Oh, pára!" não constitui nenhuma manifestação de vida ou de amor, mas sim um sinal de morte. Pois o momento em que ele desejasse parar, quisesse deter-se porque a existência se lhe afigurasse bela e ele se mostrasse satisfeito com a realidade presente, esse momento deveria ser ao mesmo tempo o de sua morte - o instante, portanto, em que Mefisto, zeloso servo de Fausto durante o seu tempo de vida, assumiria domínio irrestrito sobre sua alma.

A quem interessar possa, há na wikipédia um verbete sobre Fausto escrito por mim. Vale a pena conferir.

A Alma do Mundo


Goethe, já idoso, disse uma vez que seus escritos não podiam se tornar populares, não se destinavam às massas, mas aos indivíduos dotados de aspirações e propósitos semelhantes aos seus!... Parece uma afirmação arrogante, mas não é.
Forças da natureza, quando humanizadas, raramente se tornam figuras literárias: antes, manifestam-se como fundadores de religiões, conquistadores, políticos, santos, destruidores do mundo. Johann Wolfgang von Goethe foi talvez a única potestade natural a escolher a carreira de poeta, pela qual revelou ser ele próprio a alma da poesia, quiçá do mundo!... Parece uma apreciação exagerada, mas não é.
A extraordinária personalidade de Goethe (excepcionalmente bem documentada) é uma espécie de milagre, nada fácil de ser descrito. Emerson, com a perspicácia de sempre, definiu Goethe como a idéia “de que o homem existe para a cultura; não para o que pode realizar, mas para o que pode através dele ser realizado”. Com efeito, no reinado da contracultura, Goethe é hoje a cultura ocidental obscurecida pela rede mundial de computadores, pela mídia, pela culpa equivocada, pelo semi-analfabetismo, pela linguagem empobrecida e, sobremaneira, pela incapacidade de uma leitura intensa. Considero este fato desolador, no início deste terceiro milênio, pois Goethe seria, para nós, mais saudável do que nunca, agora que a sensibilidade agoniza e a opinião contrária à idéia de gênio alcança a força de uma ideologia daninha.
Fausto, sua obra-prima, mesmo em tradução, ainda é leitura essencial, se pretendemos alcançar um entendimento definitivo com relação à nossa própria cultura, mesmo enquanto sucumbimos. Somos cercados de mulheres e homens faustianos em sua necessidade de desafiar e transgredir, e até o nosso atrevimento tecnológico tem um elemento faustiano. Em Fausto ouvimos a ironia da própria natureza falando através de um indivíduo. E infinitamente metafórico, tanto quanto a natureza, Goethe é a própria alma do mundo, permanecendo um ou dois passos à frente da nossa compreensão.
Deveras, não há outro como Goethe. Até hoje é a glória do idioma alemão e da poesia ocidental. A sobre-humana criatividade que possuía fez com que sempre estivesse só, ao vento e as intempéries do tempo. Tanto poder quase sempre implica em solidão. Não obstante, viu e compreendeu todas as coisas, e a despeito de ser solitário, era sereníssimo. Isso, de certo, explica a demora na iniciação sexual, ocorrida durante uma viagem à Itália, aos trinta e tantos anos, e, mais tarde, com Christina Volpius, ao retornar a Weimar. Até então o que se poderia chamar de carreira erótica de Goethe caracteriza-se por relacionamentos intensos que evitavam qualquer consumação, dos quais o mais duradouro e destrutivo foi uma paixão fraternal e idealizada pela virtuosa Charlotte von Stein, judia convertida à igreja luterana.
Apesar disso, sua poesia não carece de Eros. Aos 81 anos, compôs os trechos mais arrebatadores do Segundo Fausto (meu predileto), somando uma ousadia à outra, em uma obra que qualifico como o mais sublime filme de terror já concebido - ainda que um magnífico poema.
Ler Goethe é, para mim, algo de um fascínio interminável, mas os romances Wilhelm Meister, Egmont e Os Sofrimentos do Jovem Werther são hoje peças de museu, datados a não poder mais. Fausto, especialmente a esplêndida segunda parte, é fantasia grotesca, um pesadelo erótico que, insisto, deve ser lido por todos capazes de suportar tal experiência. Mas não se trata de haver algo errado com Goethe (O Escrito, conforme Emerson o chamava) – existe algo muito errado conosco. Não perdemos apenas sabedoria, mas as qualidades de espírito que constituem requisitos mínimos para uma leitura prazerosa de Goethe.

Mas disso ele já sabia.

sábado, 25 de agosto de 2007

Errar é umano!


Pensei que coisas assim só aconteciam neste blog!

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Senhor dos Labirintos e Espelhos


Certa vez, comentando algumas críticas, Jorge Luis Borges declarou que não se considerava, de fato, um escritor moderno, pois havia nascido no dia 24 de agosto de 1899. Ironias a parte, é realmente difícil situá-lo, visto que não parece moderno, mas tampouco antigo. Digamos então que é, em si mesmo, uma atualidade, apesar de atemporal. Não obstante, a modernidade é o que menos importa em seu estilo, basta que seja o que é: indiscutivelmente original.
Embora tenha iniciado sua carreira literária na infância (quando traduziu o “Príncipe Feliz” de Oscar Wilde, aos seis anos de idade), e tenha contribuído muitíssimo para a renovação da literatura Argentina, Borges só veio obter notoriedade aos 62 anos, quando já estava cego e foi traduzido para o francês. Curiosamente, mesmo na qualidade de mestre da língua espanhola, ele aparentava sentir-se mais à vontade em outros idiomas. Como o poeta Fernando Pessoa, Borges cresceu falando em inglês e, segundo consta, leu Cervantes em língua inglesa antes de ler no original. Mas, também a exemplo de Pessoa, ele sabia que sua pátria literária era outra, era o espanhol. E foi neste vernáculo que escreveu toda a sua obra.
A fama que veio repentina e tardiamente, foi um advento memorável, todavia mais para os leitores do que mesmo para ele. De súbito, o mundo viu surgir algo até então inédito na prosa ocidental, mais precisamente no conto. Se antes desse advento as estruturas do conto haviam sido definitivamente estabelecidas por Tchekov e Maupassant, Borges insinuou-se entre os dois como uma terceira via, originalíssima, que conduzia a novas possibilidades narrativas - todavia difícil de percorrer e até mesmo de ler. Toda a sua genialidade se fundamenta em seus contos (ou Ficções), os melhores dos quais, de modo geral, não excedem 12 ou 15 páginas!... Isso já o qualifica como o maior contista do século XX. E conquanto seja poeta de qualidade considerável, é só como contista que se destaca e inspira reverência. O que não é pouco.
Dominando todos os gêneros, sabendo imitar o sotaque de todas as línguas e épocas, Borges utiliza seu poder de síntese para baralhar a realidade com a ficção em textos impecavelmente insidiosos, ante os quais fica difícil não hesitar entre o crer e o não crer. Borges é um mistificador perigoso, que leva a intertextualidade as última conseqüências, e quase sempre consegue nos enganar. Escreve críticas sobre obras que nunca foram escritas. Cita, em notas eruditas, uma profusão de livros de todos os tempos e de todas as literaturas, metade reais, metade imaginárias, inventadas. E também gosta de citar, de livros que realmente existem, páginas que não constam deles. Define, ele próprio, sua arte literária como sendo de “anacronismos deliberados e atribuições errôneas”.
Esses truques de mistificação estão a serviço de sátiras aparentemente jocosas, mas realmente sérias, que estabelecem os limites do evasionismo. Com feito, Borges não é evasionista. Seu mundo fantástico é, contra todas as aparências, igual ao nosso. Só que visto através de espelhos, ou melhor, de um labirinto de espelhos – duas coisas bastante recorrentes em toda a sua obra. Que já o leu sabe que é com labirintos, espelhos e pedaços da realidade, que Borges faz uma paródia fantástica de nosso mundo, um mundo que por si só já é bastante incompreensível e fantástico.
A única coisa que faz falta nessas paródias é o amor, Eros. Mas essa ausência é facilmente justificada se levarmos em conta que a vida afetiva e sexual de Borges foi praticamente inexistente. Ele viveu sempre como um solteirão, só casando-se na velhice, e, segundo a viúva, nem sequer consumou o ato. A única companheira de toda a vida foi a mãe, que trabalhou e morreu como sua secretária particular até os 99 anos. Essa ausência de eros, porém, não diminiu o seu brilho, pelo contrário, dá até um certo glamour trágico se aliado a cegueira!... Pode-se até criar uma legenda: Borges desposou a literatura e leu até ficar cego!...
Borges começou a perder a visão muito cedo, no começo da década de trinta. E quinze anos depois, quando foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires, já não enxergava mais. Não obstante, ainda era capaz de criar e ditar poesia. E uma delas foi o Elogio das Sombras, na qual cantou o destino do leitor cego a quem um dia concederam um reino de livros.
Através desse poemas percebemos que ele nunca se deixou abater, e tampouco abandonou a literatura.
Mesmo perdido num escuro labirinto de espelhos e livros, Borges pôde demonstrar justamente o que é o homem: o sujeito e objeto de sua própria busca.

Que ninguém avilte com lágrimas ou reprove

Esta declaração da habilidade de Deus

Que em sua ironia magnífica

Deu-me escuridão e livros ao mesmo tempo.



Jorge Luis Borges
(Trecho do poema Elogio das Sombras)

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Sugestão de leitura para um dia de chuva...


Em Vésperas, nove grandes escritoras são retratadas na sua solidão e nas suas ambiguidades em plena hora da morte. Misturando dados biográficos com a sua profunda intuição psicológica e uma imaginação sensível, a talentosíssima Adriana Lunardi descreve os pensamentos de Virginia Woolf antes de entrar no rio Ouse com os bolsos cheios de pedras; a extrema exaustão de Dorothy Parker, acordando só, uma vez mais, num quarto de hotel, acompanhada apenas de Troy, o seu cão; os sonhos de Zelda Fitzgerald, a flapper perigosamente semelhante às heroínas dos romances do marido, Scott; o estranho sonho (ou visão?) de Colette, envelhecida e irreconhecível, não fora pelo seu orgulho... Clarice Lispector, Katherine Mansfield, Sylvia Plath, Júlia da Costa e Ana Cristina César são as restantes protagonistas destes contos comoventes. Vésperas retrata as epifanias e as visões singulares destas mulheres maiores que a vida, para quem o último dia foi um momento extremo.

P.S.: Tome um lexotan antes e outro depois!

Desculpem a Poeira


Por alguns era conhecida como Dot, por outros Dottie, e para uns poucos por Dotta. Mas para a posteridade ela seria sempre Dorothy Parker, a mais espirituosa e irreverente escritora do século passado. E uma das mais influentes também, todavia agora esquecida.
Filha de pai judeu e mãe católica, Dorothy já na puberdade dava sinais do atrevimento que seria sua marca registrada. Dizem que foi expulsa de um colégio de freiras por declarar que a imaculada conceição não passava de um fenômeno de combustão instantânea (particularmente, não entendi e nem gostei). Mas Dorothy era assim, perdia o amigo mas não perdia a piada.
Sua carreira literária começou ordinariamente em 1916, escrevendo legendas para fotografias de moda da revista Vogue, a US$ 10 por semana. Uma de suas mais conhecidas tiradas data desta época: a brevidade estilística é a alma da lingerie!... Até hoje não se sabe se ela estava se referindo à moda ou à literatura.
Essa verve irônica aliada ao fanatismo pelo teatro (ela era uma espectadora voraz) fez com que um ano depois se tornasse crítica teatral das revistas Vanity Fair e The New Yorker, e mais uma vez notabilizou-se por ter escrito apenas uma linha sobre a estréia de uma peça concorridíssima: “The House Beautiful is the play lousy” (“A casa maravilhosa é uma peça deplorável”). Naturalmente, não tardou para que Dorothy se avultasse como uma das mulheres mais badaladas da New York da década de 20, venerada por uma corte de intelectuais e jornalistas que se reunia no Hotel Algonquin. Num dessas reuniões ela proferiu a proverbial sentença de que “men seldom make passes at girls who wear glass (que numa tradução livre quer dizer: Homens nunca paqueram garotas de óculos!). E afirmou que se todas as moças do baile anual de Yale fossem seduzidas, ela não ficaria surpresa.
Seu gênio literário sobrevive hoje nos contos e nos tristes e agudos poemas que falam de amor, violência e morte – coisas da qual ela entendia muito bem, visto que casou-se três vezes (duas com o mesmo homem), e quase destruiu o casamento de Zelda e Scott Fitzgerald. Enough Rope, sua primeira coletânea de poesia, tornou-se um best-seller. Big Blond (Grande Loira) recebeu o prêmio O. Henry de melhor livro de contos do ano de 1929. De sua própria arte poética ela dizia o seguinte: Not so deep as a well, "não tão profunda como um poço", uma autocrítica perfeita, já que a poesia é peso-pluma, agradável, lembrando uma época em que a vida era mais levada na flauta do que hoje. Depois disso não produziu mais nada de interessante, a não ser escândalos e frases sarcásticas. Com toda elegância bebia, fumava e brigava nas festas. E entre um e outro romance fracassado (literário e pessoal), tentava suicídio e fazia caridade: doou todos os bens para a causa de Martin Luther King. O temidíssimo crítico Edmund Wilson escreveu que os contos de Dorothy, apesar de limitados à mulher volátil em suas afeições, às sentimentais grotescas e a caricaturas que nos fazem rir, têm uma generosidade e sabor de vida cheia que nos anos 30, na Grande Depressão, já tinham desaparecido para sempre da literatura americana. E disse ainda que ela não era uma Emily Brontë nem uma Jane Austem, mas que havia transposto para a literatura momentos de experiência humana que nenhum outro escritor havia conseguido expressar. O artigo de Wilson se chama, significativamente, "Um brinde e uma lágrima para Dorothy Parker". Ela terminou em Hollywood, produzindo monotonamente histórias de príncipes encantados que se apaixonam por caixeiras! - a mais famosa foi Nasce Uma estrela, indicada ao Oscar de 1937.
Contudo nem a velhice, nem o alcoolismo, nem a solidão, e tampouco as muitas doença, arruinaram seu humor. Uma prova disso é que poucos dias antes de morrer (em 1967) ela pediu que lhe escrevessem o seguinte epitáfio:

Desculpem a poeira!...


Tá desculpada.

Quando peso os prós e os contras

das coisas que meu amor encontra

uma boca curva, um punho de fogo

um cenho interrogativo, um belo jogo

de palavras tão batido quanto o pecado

uma orelha pontuda, um queixo rachado

membros longos, agudos e olhos oblíquos

nem frios, nem meigos, nem escurecidos

Quando então pondero usando a razão

nas superficialidades que satisfazem meu coração

sou surpreendida com tal banalidade

me maravilho com a minha normalidade.


Dorothy Parker

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

A Bibliotecária do Mês


Entre os 12 e 14 anos de idade, a garota Madonna Louise Veronica Ciccone trabalhou voluntariamente na biblioteca de Rochester Adams High School, na cidade de Pontiac, subúrbio de Detroit, Michigan!... Isso, claro, foi bem antes de fugir de casa com a roupa do corpo e 37 dólares no bolso, para iniciar uma das carreiras mais brilhantes e escandalosas do show business. Não obstante, a experiência como bibliotecária na juventude iria repercutir em muitas de suas canções, onde as vozes de Shakespeare e Proust (nas estrofes de "Forbidden Love"), de Walt Whitman (em "Sanctuary"), de Safo (em Ray of Light), de Dorothy Parker e Edna St. Vincent Millay podiam ser ouvidas. Em 1992 ela ainda fez uma rápida incursão nos domínios literários de Henry Miller e Anaïs Nin quando escreveu e protagonizou o estarrecedor “Sex Book”!... Hoje, ao completar 49 anos de uma vida muito bem vivida, Madonna canta mais suavemente, lê o belíssimo Zohar (Livro do Esplendor) e escreve para crianças.


Feliz aniversário, Madonna!

Loser


Por minha vontade, Charles Bukowski não figuraria neste blog. Não porque não goste dele, mas porque ainda não tenho certeza se era realmente um escritor. Escrever, ou melhor, viver da escrita não implica necessariamente no ofício de escritor. Há inúmeras variantes, como escrivão, por exemplo. Bukowski, ou simplesmente Buk, não era uma coisa nem outra. O que era então? Um loser, um perdedor!... Mas um perdedor espertalhão, que escrevia estória de perdedores para entretenimento de outros perdedores. Eis tudo.
Feito este breve desabafo, o que mais pode ser dito? Muita coisa!... Ninguém obtém fama à toa, mesmo que seja má fama. E embora seja um escritor mixuruca, Buk se fez ouvir por algum motivo, ou por algum talento. Qual?
A resposta talvez esteja na trajetória de vida do escritor.
Charles Bukowski veio ao mundo no dia 16 de agosto de 1920. Alemão de Andernach, mudou-se para os EUA com 3 anos de idade, e cresceu em Los Angeles - cidade de anjos decaídos onde conheceria as zonas devassas do inferno terrestre e haveria de ficar conhecido pelo diminutivo Buk. Coincidência ou não, “Buk” rima com “puke” (vomitar), coisa que, de copo em copo, o escritor fazia constantemente, até ao momento em que decidiu escrever para se distrair dos vícios (distrair, não se livrar!). E a mesma cidade que lhe proporcionou os vícios, haveria de dar-lhe a matéria-prima literária, com suas ruas onde deambulam as putas, os ladrões e os vagabundos, cuja voz e perspectiva ele iria assumir. Isso já diz muito, pois numa época de exaltação ao fracasso, à mediocridade e à vulgaridade, ou seja, no ápice da contracultura do século XX, uma figura assim não passaria despercebida. Com efeito, Bukowski tornou-se a voz de todos os perdedores, aquela lôbrega estirpe de que geralmente não se fala nos filmes e literatura highbrow. Desde os bairros onde gangues controlam o submundo e guerreiam entre si, até os caipiras perdidos e sem esperança. Passando pelos falsos brilhantes da sociedade de aparências de Hollywood. Ele fez um retrato rápido, fiel e cruelmente imparcial da casta dos losers. Sua prosa rivaliza com as ruas e bares fétidos que freqüentava. O odor se espalha pelas páginas de seus livros e poemas, e, décadas depois, a fetidez ainda atrai muitos outros losers que, como uma nuvem de moscas, nele encontra o seu habitat. Os diálogos são rápidos, não existem grandes dissertações e nem julgamentos – duas coisas ininteligíveis para um publico entorpecido! Bukowski apresenta tudo sob uma ótica maldosa e ácida, porém interessada. A informalidade dessa escrita e a recusa em optar por uma literatura mais convencional transformou-o, nesta época de linguagem demótica, num autor de culto, amado pelos mesmos leitores de Jack Kerouac, Allen Ginsberg ou William S. Burroughs. E apesar de o nome Bukowski nunca ter sido associado à “beat generation”, há quem o considere um escritor “beat” honorário. Pra mim ele é mais do que isso, é a conseqüência literária direta da geração beat (que para sempre maldita seja!). Apesar de tudo, eu nunca me convenci, ou melhor, ele nunca me convenceu acerca de sua arte – se é que podemos assim chamá-la. Não acredito que uma literatura possa se sustentar por muito tempo baseada apenas nos frágeis pilares da conduta pessoal e das digressões do seu autor. Seria preciso ser um Joyce pra me convencer disso, aliás, nem ele!... Buk que era um genérico de Edward Bunker estava como este infinitamente aquém de Joyce.
Creio que por isso o impecável Truman Capote, num debate travado contra Norman Mailer na tv, declarou que a geração beat (e congêneres: Charles Bukowski!) não sabia escrever, apenas datilografar!...
Eu não vi esse debate (acho que ainda não era nascido), mas dizem que Norman Mailer não ousou replicar. E assim, para sempre, a escrita dos losers ficou confinada ao umbral que existe entre os escritores e os escrivães.

terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida-
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
...de manhã
eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi...
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.


Charles Bukowski

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Há 107 anos no fabuloso mundo de Oz!!!


A jovem Dorothy Ventania vivia com os tios Henry e Emm numa pequena fazenda do Kansas. Seu único amigo era o cãozinho Totó que, durante uma tempestade, acabou sumindo. Procurando-o desesperadamente, a menina não entra no abrigo contra ciclones mas esconde-se na pequena casa que, levada por um tufão pelos ares, termina por arremessá-la na distante e desconhecida terra de Oz!... Era o dia 15 de agosto de 1900, e assim começava uma série de aventuras que parece não ter mais fim.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A Maravilhosa Culinária de Dona Flor

O lendário pudim de tapioca que lhe rendeu dois maridos:

• 1/2 xícara (chá) de tapioca granulada

• 1/2 litro de leite

• 4 ovos (separados da seguinte forma: 3 gemas, 3 claras em neve e 1 ovo inteiro)

• 1 lata de leite condensado

• 1 vidro de leite de coco (200ml)

• 1/2 coco ralado

• 2 colheres (sopa) de manteiga

Como fazerPrimeiro, hidrate a tapioca: ferva o leite, retire do fogo e imediatamente coloque a tapioca. Misture tudo, cubra com uma tampa e deixe descansar. Caramelize com açúcar a fôrma de pudim. Raspe o coco. Depois, coloque todos os ingredientes (exceto as claras em neve) numa vasilha e bata no liqüidificador por três minutos. Preaqueça o forno (temperatura máxima), coloque a assadeira em banho-maria e deixe a água ferver. Enquanto isso, introduza as claras aos ingredientes batidos, misture-as delicadamente, despeje na fôrma, cubra com papel-alumínio e deixe em fogo máximo sem abrir o forno por exatamente 30 minutos. Depois desse tempo, retire o papel e deixe por mais 30 minutos até dourar, mas sem abrir o forno. Retire o pudim, deixe esfriar em temperatura ambiente e depois conserve em geladeira na própria fôrma. Sirva com baba-de-moça.

Coronel Sensualidade!


Jorge Amado foi o primeiro escritor brasileiro a obter fama internacional, donde se deduz que não era tão bom quanto se imaginava nem tão mau quanto se queria. Digo isso, obviamente, porque até hoje não consegui gostar de sua obra, e tampouco não gostar. Minha consideração por tal obra é - como ela própria - cheia de altos e baixos, coisa que certamente não diminui seu mérito.
Entre outras coisas, a fama de Jorge Amado se deve primeiramente à época em que foi escrita. Assim como Paulo Coelho (seu admirador confesso) que despontou em meio ao fascínio esotérico do final do século XX, Amado surgiu na crista da onda comunista que encharcou a primeira metade desse mesmo século.
Era o começo de uma carreira promissora, e como todo começo teve um desempenho bastante discutível, apesar de notório. Quem lê seus primeiros romances, como Pais do Carnaval, logo se depara com um escritor panfletário, que fazia de sua escrita uma arma política social descaradamente tendenciosa, pura propaganda. São também livros cheios de falhas devido ao desinteresse pela composição, e ao abuso de uma poesia barata. Os primeiros sinais de mudança, ou evolução, surgem em “Terras do Sem-Fim”. Mas há uma descaída em “Seara Vermelha” e em “Os Subterrâneos”, para só depois, e finalmente, aparecer um escritor novo, na plena posse dos seus dons, menos engajado e menos preso a preconceitos e partidarismos. E em compensação impregnado de bondade e lirismo. É quando surge “Os Pastores da Noite”, “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, “Gabriela Cravo e Canela”, “Tieta do Agreste”, “Teresa Batista” e “Tenda dos Milagres” (meu predileto).
Creio que Jorge Amado, assim como Garcia Márquez, acabou percebendo que em geral (e creio que haja poucas exceções a essa tendência), o talento dos grandes criadores de seu tempo insistia no testemunho do destino trágico dos homens, explorando os sombrios abismos nos quais poderia despencar. E como o explicou Bataille, a literatura representou principalmente "mal" a vertente mais destrutiva e acre do ser humano. Talvez isso explique porque Jorge Amado acabou reavaliando seus propósitos e decidiu exaltar o reverso dessa medalha, ou seja, a cota de bondade, alegria peculiar e grandeza esplêndida que a existência também contém, e que, em seus romances, feitas bem as contas, termina sempre vencendo a batalha em quase todos os destinos individuais. Não sei se essa concepção é mais justa, digamos, que a de um Faulkner ou de um Onetti, que são seu oposto. Mas, graças a essa macumba de consumado escritor e à convicção com que fantasia em suas histórias, não havia dúvida de que Jorge Amado seria capaz de, com ela, seduzir milhões de leitores mundo.
Só isso pode explicar sua fama. Em suas estórias todas as desventuras do mundo não bastam para dobrar o desejo de sobrevivência, a alegria de viver, o engenho brincalhão para dar a volta por cima do infortúnio, que animam seus personagens. O amor pela vida é tão grande neles que são capazes, como ocorre à excelente dona Flor e seu marido defunto, de ressuscitar os mortos e restituí-los a uma existência que, com todas as misérias que ela implica, está repleta de momentos de prazer e felicidade. Esse desfrute dos pequenos prazeres, ao alcance do ser anônimo, que vibra em quase toda a sua obra — saborear um copo de cerveja gelada, uma gostosa conversa, contar uma piada espirituosa, elogiar um corpo desejável que passa, cultivar amizade fraterna, ver uma ave que rasga o céu imutável — é intenso e contagia os leitores, que costumam sair dessas páginas convencidos de que, sejam quais forem as ruins circunstâncias em que se vive, sempre haverá na vida humana um lugar para a diversão e outro para a esperança.
Portanto, embora haja uma ou outra coisa datada, ainda pode e merece ser lido.

O Mundo de Jorge Amado...


...pelos olhos de Carybé.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Lord Melancolia


O Barão Alfred Lord-Tennyson era uma anomalia ambulante, muito bem descrito (por Thomas Carlyle) como um homem triste e solitário, levando consigo um pouco do Caos que, através da poesia, costumava transformar em Cosmos. Mas esse cosmos não nos interessa tanto quanto o caos que, poeticamente, e para fins de boa fofoca, é bem mais interessante.
Nosso ponto de partida é o Prior da igreja anglicana de Lincolnshire, que teve 12 filhos, dos quais Alfred Tennyson foi o quarto. Todos os seus irmãos eram depressivos, sendo que um jamais se recuperou, e Alfred, muito depois de haver se tornado o bem pago “Poeta Laureado” da Rainha Vitória, ainda demonstrava precário equilíbrio mental. Sua obra é o magnífico registro deste fato, e não a toa é o embrião do nonsense. Os grandes mestres vitorianos da poesia nonsense – Edward Lear, Lewis Carroll, W.S. Gilbert –escreviam pastichos de Tennyson, ao ensaiarem versos sinceros que falavam de afeto e arrependimento. Tennyson era o próprio estilo da época, foi sempre o poeta das elegias, sempre lamentoso, melancólico, bastante no estilo de Virgílio, o poeta clássico que ele mais apreciava, assim como em Keats que foi o seu crucial predecessor moderno.
Mas a glória não veio fácil. Até conseguir substituir Wordsworth como poeta oficial do império britânico, Tennyson comeu o pão que o diabo amassou (e às vezes nem isso!). Seus primeiro trabalhos receberam críticas tão desfavoráveis, que por dez anos ele ficou sem escrever uma palavra. Só depois do sucesso merecido de A dama de Shallot, Os Idílios do Rei (saga arturiana que inspiraria “As Brumas de Avalon”) e Maud , é que Tennyson consegue estabelecer a sua reputação de grande poeta.
Foi então que caiu nas graças de rainha, e a fama subiu-lhe à cabeça.
Tennyson começou a assombrar as salas de visitas de Londres com declamações inesperadas de seu mais famoso (e mais longo) poema: Maud, ou Desvario. Tennyson não buscava poder na declamação, como Dickens fazia, mas aplauso, confirmação de que sua obra tinha de fato uma platéia. Dizem que sua abordagem era assim: - Senhora, desgostaria você se eu lesse Maud? Você expiraria?!... Por gentileza as pessoas diziam que não, e se prontificavam em ouvir. Azar o delas, Maud era uma obra mórbida demais para alcançar sucesso popular!
Carlyle lembrava-se dele circulando numa festa perguntando se as pessoas tinham gostado de Maud, e lendo o poema em voz alta, falando “Maud, Maud, Maud...”, e tão sensível à crítica como se elas fossem acusações a sua honra. Segundo outra testemunha, o pintor e escritor Dante Gabriel Rosetti, Tennyson lia a própria obra com a emoção que buscava na platéia, derramando lágrimas com tal intensidade de sentimento que segurava em suas poderosas mãos uma grande almofada brocada e, quase inconscientemente, torcia-a sem parar. Emerson não demonstrava a mesma intensidade ao ler os poemas de Tennyson em voz alta. Em seus cadernos, confidenciou: Pode constituir experiência de auto-hipnose, declamar esses poemas, uma vez memorizado.
Dentre os três testemunhos eu só posso confirmar o terceiro, pois quando está inspirado, Tennyson é realmente um poeta encantatório. É verdade que ele não tem o brilho de um Wordsworth ou de um Keats, e é verdade também que viveu à sombra de Keats, mas trabalhou bastante o seu estilo para alcançar a linguagem do seu próprio gênio. E conseguiu.
Por isso digo que terminado o século XX, a já secular depreciação de Tennyson haverá de cessar, e o seu gênio mórbido será reconhecido por quem ainda for capaz de ler poesia.

sábado, 4 de agosto de 2007


Eu sou como um barco sobre o qual se abatem as tempestuosas opressões deste mundo!


P.B. Shelley

Rebeldia Lírica


De origem aristocrática, Percy Bysshe Shelley nasceu e cresceu na fazenda de Sussex, no interior da Inglaterra. Sua pessoa era um vivo contraste entre a aparência frágil e feminina, e o caráter indócil e contestador. Um tipo de personalidade que pode ser definido numa frase: um menino mimado!... Isso a priore explica porque tão agradável criança se tornaria no jovem poeta rebelde, e um tanto egoísta, cuja carreira brevíssima sacudiria a literatura inglesa. Tudo começou em 1810, quando ele foi expulso de Oxford, por publicar um panfleto intitulado “Necessidade do Ateísmo” – que tinha sido enviado aos reitores da universidade, em sua maioria clérigos anglicanos.
Em conseqüência, o pai de Shelley cortou sua mesada e ainda ameaçou deserdá-lo. Sempre arrogante e desafiador, o poeta desdenhou da reação paterna e fugiu de casa com a namorada Harriet Westbrook, uma moça de 16 anos, filha de um taberneiro de Londres, que viria a ser sua primeira esposa. Juntos eles passaram dois anos viajando pela Inglaterra e a Irlanda, distribuindo panfletos contra injustiça política e social. Ele tentou fundar uma pequena comunidade de “espíritos livres” em Lynmouth, Devon, no País de Gales, mas logo foi expulso a bala por um pastor metodista.
Shelley continuou a vida nômade e publicou em 1813 o seu primeiro poema importante, a Rainha Mab, que depois ficou conhecida como a “Bíblia dos Anarquistas" – uma coletânea de versos cujo tema era o amor livre, o ateísmo e o vegetarianismo!... Por falar em amor livre, o jovem Shelley, pouco depois de haver desposado Harriet, iniciou um romance paralelo com Mary Wollstonecraft Godwin, a filha do filósofo e anarquista William Godwin. Um triste dia, Harriet descobriu a traição e, claro, não aceitou. Mas Percy era “livre” demais para se preocupar com os sentimentos da esposa. Com efeito, abandonou-a gestante e fugiu com Mary para o continente. Dois anos depois do ocorrido, mas precisamente em 1816, Harriet suicida-se, e Percy sabendo da tragédia, não perdeu tempo e casou-se com a amante, que então passou a ficar conhecida como Mary Shelley (a autora de "Frankenstein").
É também por esta época que se muda para Roma e conhece os poetas John Keats e Byron, com os quais formará a trindade romântica da poesia inglesa. Essa amizade seria lendária, todavia curta, visto que pelo excesso de vida, os três morreriam muito cedo.
O primeiro foi Keats. Quando soube de sua morte, vítima de tuberculose e da Quartely Review, Shelley afundou em demorada reclusão, derramando sua cólera e dor na maior das elegias inglesas, Adonais.
Para curar tamanha tristeza, Byron convidou-o a viajar pela costa da Toscana, onde tinha uma casa. Mas essa viagem seria o ensejo de uma tristeza maior. Dizem que quando estavam em alto-mar, uma tempestade se abateu sobre eles destroçando o barco. Shelley não sabia nadar. Sobrevindo a noite e não aparecendo eles em casa, Mary Shelley pressentiu a desgraça. No maior desespero partiu para a praia de Livorno, logo que a manhã rompeu. Lá encontrou Byron e alguns pescadores, mas nada de seu esposo. Energicamente Byron meteu-se à procura do desaparecido, pesquisando a costa palmo a palmo. Oito dias depois encontrou destroços do barco, semi-enterrado na areia; e foram ainda necessários mais oito dias para a descoberta do corpo de Shelley – ou do que haviam deixado as gaivotas. A identificação foi feita pelo encontro de um volume de Sófocles num dos bolsos e um de Keats no outro.
A lei da Toscana exigia que os corpos lançados à costa fossem queimados, para evitar pestilência. Byron e os pescadores colocaram o cadáver numa fogueira, mas antes tiveram o cuidado de retirar-lhe o coração, que depois Mary enterraria junto a Keats, no cemitério protestante de Roma, sob uma laje com a seguinte inscrição: “Cor Cordium” – o coração dos corações.
Quando 29 anos mais tarde Mary Shelley morreu, foram encontradas no seu exemplar do Adonais, num saquitel de seda, as cinzas do amado morto, entre as páginas sobre imortalidade e a esperança que subsiste sempre no coração dos homens derrotados.

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