terça-feira, 21 de agosto de 2007

Desculpem a Poeira


Por alguns era conhecida como Dot, por outros Dottie, e para uns poucos por Dotta. Mas para a posteridade ela seria sempre Dorothy Parker, a mais espirituosa e irreverente escritora do século passado. E uma das mais influentes também, todavia agora esquecida.
Filha de pai judeu e mãe católica, Dorothy já na puberdade dava sinais do atrevimento que seria sua marca registrada. Dizem que foi expulsa de um colégio de freiras por declarar que a imaculada conceição não passava de um fenômeno de combustão instantânea (particularmente, não entendi e nem gostei). Mas Dorothy era assim, perdia o amigo mas não perdia a piada.
Sua carreira literária começou ordinariamente em 1916, escrevendo legendas para fotografias de moda da revista Vogue, a US$ 10 por semana. Uma de suas mais conhecidas tiradas data desta época: a brevidade estilística é a alma da lingerie!... Até hoje não se sabe se ela estava se referindo à moda ou à literatura.
Essa verve irônica aliada ao fanatismo pelo teatro (ela era uma espectadora voraz) fez com que um ano depois se tornasse crítica teatral das revistas Vanity Fair e The New Yorker, e mais uma vez notabilizou-se por ter escrito apenas uma linha sobre a estréia de uma peça concorridíssima: “The House Beautiful is the play lousy” (“A casa maravilhosa é uma peça deplorável”). Naturalmente, não tardou para que Dorothy se avultasse como uma das mulheres mais badaladas da New York da década de 20, venerada por uma corte de intelectuais e jornalistas que se reunia no Hotel Algonquin. Num dessas reuniões ela proferiu a proverbial sentença de que “men seldom make passes at girls who wear glass (que numa tradução livre quer dizer: Homens nunca paqueram garotas de óculos!). E afirmou que se todas as moças do baile anual de Yale fossem seduzidas, ela não ficaria surpresa.
Seu gênio literário sobrevive hoje nos contos e nos tristes e agudos poemas que falam de amor, violência e morte – coisas da qual ela entendia muito bem, visto que casou-se três vezes (duas com o mesmo homem), e quase destruiu o casamento de Zelda e Scott Fitzgerald. Enough Rope, sua primeira coletânea de poesia, tornou-se um best-seller. Big Blond (Grande Loira) recebeu o prêmio O. Henry de melhor livro de contos do ano de 1929. De sua própria arte poética ela dizia o seguinte: Not so deep as a well, "não tão profunda como um poço", uma autocrítica perfeita, já que a poesia é peso-pluma, agradável, lembrando uma época em que a vida era mais levada na flauta do que hoje. Depois disso não produziu mais nada de interessante, a não ser escândalos e frases sarcásticas. Com toda elegância bebia, fumava e brigava nas festas. E entre um e outro romance fracassado (literário e pessoal), tentava suicídio e fazia caridade: doou todos os bens para a causa de Martin Luther King. O temidíssimo crítico Edmund Wilson escreveu que os contos de Dorothy, apesar de limitados à mulher volátil em suas afeições, às sentimentais grotescas e a caricaturas que nos fazem rir, têm uma generosidade e sabor de vida cheia que nos anos 30, na Grande Depressão, já tinham desaparecido para sempre da literatura americana. E disse ainda que ela não era uma Emily Brontë nem uma Jane Austem, mas que havia transposto para a literatura momentos de experiência humana que nenhum outro escritor havia conseguido expressar. O artigo de Wilson se chama, significativamente, "Um brinde e uma lágrima para Dorothy Parker". Ela terminou em Hollywood, produzindo monotonamente histórias de príncipes encantados que se apaixonam por caixeiras! - a mais famosa foi Nasce Uma estrela, indicada ao Oscar de 1937.
Contudo nem a velhice, nem o alcoolismo, nem a solidão, e tampouco as muitas doença, arruinaram seu humor. Uma prova disso é que poucos dias antes de morrer (em 1967) ela pediu que lhe escrevessem o seguinte epitáfio:

Desculpem a poeira!...


Tá desculpada.

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