sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Um estranho no ninho do império!



Eugene Luther Gore Vidal estreou na literatura aos 19 anos de idade com o romance “Williwaw”, e desde então não parou de aporrinhar a consciência política dos americanos com uma interminável sucessão de livros desafiadores e polêmicos. Rico, branco, protestante, inteligente, petulante, gay, filho de uma família tradicional e influente (a dinastia Gore, da qual também descende o ex-quase-presidente Al Gore), mas esquerdista convicto, Gore Vidal é a viva negação intelectual do sonho americano, ou seja, é um chato... Para os americanos, claro!
A sua relação de amor e ódio com os Estados Unidos está bem expressa na série de romances “Crônicas Americanas” e na coleção de ensaios “United States”, que valeu-lhe em 1993 o National Book Award. Em 1995 publicou uma notável autobiografia, “Palimpsesto”, na qual fica mais visível a sua postura diante do american life way, com direito a revelações sobre a elite política de Washington e a nata artística de Hollywood. Em todos estes livros ele diz coisas incômodas, como se observasse os Estados Unidos simultaneamente com um telescópio e um microscópio. Quando se vêem as coisas com este pormenor, com esta ironia, com este humor, com este cinismo, se é forçosamente incômodo, e às vezes extravagante, e outras vezes abusado. Mas é justamente o que ele quer ser. Oscilando sempre entre o romance e a história, Vidal só não decidiu se quer ser um romancista ou historiador. Só o tempo dirá.
Entretanto, é fundamental sublinhar que a sua narrativa tem uma enorme qualidade literária, talvez duas. “Prodigioso” foi um adjetivo comum da crítica para definir as “Crônicas”. E “didático” foi outro. Por “Império (seu melhor romance)” passam figuras da História dos Estados Unidos como os Presidentes McKinley e Theodore Roosevelt, como John Adams e John Hay; como o magnata da imprensa William Randolph Hearst, como o escritor britânico Henry James. Passa toda a promiscuidade entre dinheiro e política. Passam todos os bem intencionados, todos os corruptos, todos os fazedores de políticos e de presidentes. Passa tudo aquilo com que se constroem e mantêm os impérios.
Mas nem tudo é política em sua obra (embora sempre seja polêmica): é dele o escandaloso “Ao vivo do Calvário”, onde reconta o Novo Testamento de um ponto de vista bastante irreverente, para não dizer blasfemo.
Hoje Gore Vidal é um senhor de quase 80 anos que continua a insistir na faceta de provocador, o homem que pensa que os Estados Unidos não têm razão para se interrogarem por que foram atacados no 11 de Setembro, sabendo-se que depois da II Guerra Mundial já fizeram em todo o mundo mais de 200 ações militares e que uma lei da natureza é a de que não há ação sem reação... O homem que defende que os militares norte-americanos devem fazer as malas e sair de todos os lugares do mundo em que se encontram. Enfim, que os Estados Unidos regressem às suas raízes republicanas, que deixem de interferir nos assuntos das outras nações e também nas vidas privadas dos seus próprios cidadãos. Que enterrem este império cujo nascimento ele nos mostra e cuja morte ele profetiza nas “Crônicas Americanas”, que fazem dele um dos principais escritores americanos da atualidade. Essas crônicas - quase me esqueci de dizer - são compostas pelos livros “Washington D.C.”, “Burr”, “Lincoln”, “1876”, “Império (sua obra-prima)”, “Hollywood” e a “A Idade de Ouro”.
Toda sua obra foi (e ainda tem sido) escrita com o grande humor e a grande ironia de alguém que tem a certeza de está narrando a História Verdadeira.
Só o tempo dirá!

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