quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Da série: qualquer semelhança não será mera coincidência!



A influência literária é uma vizinhança honesta, uma aproximação de outra inteligência, em que o autor descobre suas próprias virtudes, seus propósitos artísticos mais secretos, já realizados. Mas há um limite que a separa das regiões culpadas do plágio.
Eça de Queirós desde o seu tempo de moço, jornalista em Évora, apossando-se do pensamento de Vitor Hugo sem o citar, permitiu que a suspeita e acusação de plagiário o seguissem pelo resto da vida. Plágio é uma incriminação forte, vergonhosa e nem mesmo Shakespeare escapou dela. No entanto, é difícil não acatar esta imputação e tentar negar que esses senhores de enormes riquezas tiraram, de outros, um pequeno punhado.

Assim quando se lê em Salambô (de Flaubert): “Sés grillages d’airain qui le defendait em bas des scorpions”... encontra-se na Relíquia: “uma entrada mais nobre, em arco, com uma grade baixa, que a defendia dos escopiões”... Aí está um recurso de erudição, inacusável, um detalhe de arquitetura antiga, propriedade artística universal.

Mas lê-se ainda na Relíquia: “estas colinas que eu vira dias antes em torno à Cidade Santa, dessecadas por um vento de abstração, e brancas da cor de ossadas”... Encontra-se também na Vie de Jesus (de Ernest Renan): “La triste Judée, dessechée comme par um vent brulant, d’abstraccion et de morte”... Já aqui não é um dado de cultura, mas uma imagem descritiva de que Eça se apossou.

E para aqueles que resistam tanto quanto os que mais o amam, em acreditar nessa sombra na face do mestre, reserva-se uma cópia literal duma das mais belas imagens, de mais sugestão poética, escrita por Flaubert, está na Relíquia: “As lágrimas rolavam por sua face, tristes como a chuva por um muro em ruínas”... quando em Salambô já Flaubert havia posto: "et des pleurs coulaint sur as face comme pluie d’hiver sur une muraille en ruine”.

Não fiquem pasmos, se Shakespeare podia, Eça também. E sabem do que mais, se gritar pega ladrão não fica um meu irmão - todos os gênios fizeram isso!... E cá pra nós, pouco valem esses singelos furtos que nada corroem a glória daquele que tocou uma nova harmonia à velha língua portuguesa, ao romanceador de todo um país, criador único do maior friso de tipos populares de toda a literatura latina (segundo Harold Bloom). Eça de Queirós elevou-se a tal altura, que em confronto com as suas próprias riquezas, por ele acumuladas, estas jóias desonestas de sua arca merecem o mesmo olhar de benevolência risonha com que se olham as culpas iguais de outros grandes.

2 comentários:

Unknown disse...

Será mesmo , amigo, que as cópias de imagens não se devem a uma leitura constante e tal admiração que o escritor internalizou-as e termina por acreditar-se criador das frases, das imagens? Será que o autor não sabia o quanto as pessoas liam francês na época? Imagina, hoje, como muitos devem estar fazendo isto(copiar, usar traduções e tê-las como originais.)! Mas, como disse, mesmo assim , Eça foi grande!

Anônimo disse...

Devo dizer que recontar uma história, fazer uso dela, não é pra qualquer um. Como já disse, a questão do plágio é um tanto controvérsia. Todos fizeram isso, de diversas formas. Uns foram mesquinhos, outros geniais.

Agora que a crítica literária chama a isso de transtextualidade, ficou melhor, findou-se o limite e acho bom mesmo que continue assim...