terça-feira, 6 de novembro de 2007

Mais do que uma poeta: a poesia!


Não sei se vocês já notaram, mas Cecília Meirelles tem exatamente a cara dos poemas que escreveu!... Ou seria o inverso? Reparem no retrato, quem já a leu haverá de concordar comigo. Entre a poeta e sua poesia há uma similitude de feições e atitudes como só pode haver nas coisas geradas, e não criadas. Não diria que são como mãe e filhos – isso não seria uma definição precisa, além do que é bastante clichê – mas diria que são como emanações, como prolongamentos de seu ser, de sua beleza, suavidade e pasmo.
Ela tornou-se poeta muito cedo, acho que desde a infância, quando ficou órfã dos pais e foi morar com a avó. Aos 17 anos estreou parnasianamente com “Espectros”, poetando em versificações rigorosas, quase calculadas. A partir de 1922 aproximou-se das correntes modernistas através de ligações com os poetas católicos da revista Festa, sem todavia aderir efetivamente ao espiritualismo literário deles. A bem da verdade, Cecília, na qualidade de caldeirão poético, era “anti-aderente”. Nelas fervilhavam paradoxalmente elementos clássicos, parnasianos, simbolistas e modernistas, sem quem nenhum deles embotasse ou marcasse seu estilo que era categoricamente independente.
Digo independente porque nenhum rótulo pode grudar-se em Cecília Meireles. Ela é um dos poucos casos na literatura de língua portuguesa de “poesia pura e absoluta”. E essa pureza e absoluto poéticos residem no desprezo do material e do concreto, na ascese e perfeição formal. A sua temática é das mais amplas e profundas da nossa literatura moderna. A fugacidade do tempo, a precariedade do ser, a falta de sentido da existência, a vida vista como sonho (se não pesadelo), a insuficiência e os desacertos humanos, sua irremediável solidão – eis os ingredientes do lirismo delicado onde há uma constante penumbra de ceticismo e desencanto. Sua música é plangente, melancólica, dolorida, jururu – mas sem notas desesperadas, só tons penetrantes, agudos. Dos amigos católicos ela contraiu o devanear lírico, a abstração visionária, a fixação poética de um mundo imaterial, intemporal. E ainda certo misticismo dolente e vaporosa espiritualidade que conferem uma ressonância religiosa à sua dicção às vezes profética ou bíblica, como se fosse uma Santa Teresa D’Ávila que de santa não tinha nada.
Mas sabia fazer milagres verbais em metáforas inigualáveis do tipo:
a aérea franja de sua voz, o cheiro molhado do chão, sua boca de nata....” Quer erotismo mais elegante do que esse? Como Clarice Lispector, eu considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa. Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se acerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo... A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea. E é exatamente por ser pura e bela que tem a cara dela.

2 comentários:

Unknown disse...

Olha, como eu gostaria que um dos meus professores de Lit Bras lessem o que você escreveu sobre Cecília! Ele torceu o nariz para minha indicação de Cecília como elemento de possíveis estudos de lírica. Estruturalista...ele era nas bases. Cecília é tudo isso que você definiu sim.Ela é como um de seu títulos "Vaga Música"!
Só hoje conheci este aspecto de sua vida: solidão na infância1 Sabia que ela sofreu muito porque, mesmo sendo casada, amou outro homem? Seu marido se suicidou. Esta foi uma grande tragédia: não tinha motivos para deixar de amar o marido... Parabéns e comntinue sempre este lindo trabalho de informação, de reflexão!

Unknown disse...

CORREÇÃO
Perdão, que um dos meus professores lesse...