domingo, 13 de abril de 2008

A Diva dos Detetives


Se existem coisas que são de competência eminentemente feminina, uma delas é a literatura policial. Não sei por que, mas é um fato. Salvo algumas ilustres exceções – Conan Doyle, Chesterton, Simenon – ninguém consegue ser mais intrigueiro ou tece melhores enredos do que elas, e no sentido mais ardiloso que a palavra enredo pode ter. Seria isso uma aptidão concernente ao sexo?... Dorothy Sayers, por exemplo, é um destes casos de excelência na invenção e na técnica - não tão boa quanto a Patricia Highsmisth, mas certamente bem melhor do que Agatha Christie. Nunca ouviu falar? Que pena, deixe então que eu fale... Dorothy Sayers era inglesa, nascida em Oxford, filha única de um pastor de uma congregação rural, que também era músico, e de uma mulher de educação modesta, mas caridosa e bastante orgulhosa de uma ancestralidade que vinha de um irmão do grande ensaísta inglês William Hazlirt. Vivendo no campo, Dorothy cresceu sem amigos de sua idade e por isso entretinha-se lendo vorazmente, escrevendo contos, poemas, imaginando o mundo lá fora ou meditando sobre os detalhes da Bíblia e da religião cristã, que lia como se fosse uma novela. Quando tornou-se adolescente, Dorothy voltou a sua Oxford natal para ingressar na universidade, onde teve uma carreira estudantil destacada graduando-se em literatura e arte. Foi também em Oxford que serviu como secretária do homem com que teria seu primeiro caso amoroso – amoroso é força de expressão – o primeiro de suas muitas desditas nesse domínio. De outras duas relações malogradas teve um filho ilegítimo que resultou ser um belo e inteligente lord do exército de sua Majestade. Ela só encontrou um marido tardiamente, com quem tinha afinidades e gostos, embora os últimos dias dele escurecessem os dela ao ficar doente, alcoólatra e intratável. É o que basta lembrar da pouco edificante mas angustiada odisséia que Dorothy Sayers teve de enfrentar enquanto desenvolvia seus dotes literários. À semelhança de Henry James que escreveu uma teoria completa da novelística, ela expôs a da trama policial, usando sua erudição ora com seriedade, ora com humor. Entrevistada sobre o assunto, Dorothy manifestou sem rodeios seu modo desassombrado de escrever e falar: “os imbecis e diretores de revista pediram-me para analisar a ficção criminal do ponto de vista da mulher, eu disse então que isso era uma estupidez, era o mesmo que perguntar qual o ângulo feminino de um triângulo eqüilátero!” Além de ficção criminal, ela escreveu sobre estética em geral, e nesse campo recebeu ótimas críticas da filósofa e santa Edith Stein. No livro “The Mind of the Maker”, por exemplo, ela desenvolve a tese de que a experiência comum de produzir, ou criar qualquer coisa, corresponde às significações simbolizadas e hiperdimensionadas pela Santíssima Trindade. Primeiro vem a idéia criadora, que antevê toda a obra terminada. Esse é o Pai. A seguir vem a energia criadora, a qual se empenha numa vigorosa luta com a matéria superando um obstáculo após o outro. Esse é o Filho. O terceiro é o poder perpetuador do efeito estético e transcendente que a obra produz, e de tal modo a influir na alma do usuário-contamplador. Esse é o Espírito Santo. Todos os três são indispensáveis ao perfeito acabamento de qualquer obra criadora. Dorothy era profundamente espiritualizada e tinha participação ativa e militante em sua Igreja, contudo era bastante tolerante e autocrítica em relação à prática religiosa. Neste mundo ela pensava que crer em Deus era indispensável para responder a inevitáveis interrogações cósmicas, é como um ponto fixo pelo qual é possível solucionar as questões terrenas; mas pedir ou impor uma determinada concepção doutrinária só garantia divisão e opressão. Ela era explicitamente uma cristã pragmática; mais de uma vez, em vários contextos, escreveu: “A primeira coisa que uma observância estrita faz é matar alguém!...” Dorothy via o evangelho como um texto polissêmico, cujas possibilidades de interpretação eram renováveis e variadas; era como um alfabeto único que servia para expressar as mais diversas línguas. Os escritores C. S. Lewis e J. R.R. Tolkien, respectivamente protestante e católico, foram dois dos seus grandes amigos e admiradores. Quando morreu, aos 64 anos, inúmeros intelectuais referiram-se a ela em termos altamente elogiosos. Diziam que sua literatura tinha dois méritos: era facilmente legível e dramaticamente convincente. Se hoje anda esquecida, ou passa despercebida, não é por culpa dela, mas, como já disse outras vezes, por causa das trevas que assolam espiritual e intelectualmente nossa adorável era moderna.

2 comentários:

Christiano disse...

Obrigado pelo convite!... Iremos todos,... Bem, pelo menos, eu vou!

Unknown disse...

Parabéns! Despertou-nos a vontade de ler a escritora.Falou-nos de uma mulher extraordinária...