Nascido 8 anos depois de Shakespeare, John Donne cresceu e morou em Londres a vida inteira; uma vida que como as máscaras da dramaturgia, teve uma face cômica e outra trágica. Na juventude foi um cavalheiro abastado, que desfrutava da reputação de poeta erótico e satírico. Assíduo freqüentador de teatro, assistiu a primeira encenação de “Ricardo III”, de Shakespeare, e saberia apreciar o progresso (ou declínio) do monarca martirizado, que, de governante autoritário, vem a ser poeta metafísico, bem ao estilo do próprio Donne. O Volume “Canções e Sonetos” só foi publicado dois anos após seu falecimento, mas alguns poemas ali coligidos haviam circulado, amplamente, em panfletos manuscritos, o que lhe garantiu certa notoriedade. A ascensão social de John Donne, a partir da conversão, em 1602, do catolicismo para o protestantismo, sobreveio na sucessão de reveses que tornara sua vida outrora festiva e hedonista numa legenda trágica, repleta de perdas e dores. Seus parentes morreram, seus bens foram confiscados (por ser católico), e a Peste Negra contaminou-o. Houve algumas compensações, pois após a conversão, Donne casou e tornou-se rapidamente célebre pregador e, em 1621, foi nomeado decano da Catedral de Saint Paul. Em sua maioria os “Sonetos Sagrados” foram escritos antes da ordenação de Donne, assim com a grande meditação “Sexta-Feira Santa”. Os dois hinos magníficos – “Para meu Deus, na agonia” e “Para Deus Pai” – foram, provavelmente, compostos em 1623, entre novembro e dezembro, quando os médicos já o haviam desenganado, e os sinos de sua Catedral, o dia inteiro e todos os dias, tocavam dobres fúnebres pelas vítimas da Peste. Foi também nesta ocasião que ele escreveu o conhecidíssimo poema “Por Quem os Sinos Dobram (Meditação XVII)”. À exceção destes escritos, Donne havia abandonado a poesia pela metafísica e teologia. Seus sermões, no quem de melhor, figuram entres os mais contundentes do cristianismo, e suas preces são até hoje as mais belas da liturgia anglicana. Como um Góngora inglês, ao mesmo tempo sagrado e profano, John Donne foi continuamente valorizado até o século XIX, influenciando grandes poetas místicos como o reverendo Coleridge e o padre Gerald Hopkins. Depois passou um tempo completamente esquecido, até que no século XX o poeta anglo-católico T.S. Eliot o ressuscitou. O leitor comum, mesmo que não familiarizado com alta poesia, pode ler Donne sem dificuldade e ainda constatar que a sua obra é perene e jamais ficará datada. Sua arte, uma intermitência de dor e prazer, descende daquele lirismo de sacralidade erótica do “Cântico dos Cânticos”, e revela a alma em sua completa humanidade. Todos os seus textos são um testemunho da inquietação espiritual que dialeticamente oscilava entre a contemplação dos prazeres terrestres e do ascetismo cristão. Essa dialética era a sua maneira de suportar a dor, as perdas e a doença. Como um Jó altivo e sensual, ele desafia Deus, se solidariza com todos os sofredores, e medita sobre sua condição comum, e disso surgem poemas como este:
“Tu perdoas o pecado em que intervim
E fiz outros pecar – meus pecados portais?
Tu perdoas o pecado evitado por mim
Por um ano ou dois, mas curtido bem mais?
Ao chegares ao fim, tu não terás o fim,
Pois inda tenho mais.”
Foi num destes momentos que ele afirmou que “nenhum homem é uma ilha”, e assim definiu a perda que sentimos reciprocamente diante de cada morte. Sempre quando leio a poesia de John Donne fico extremamente impressionado com a capacidade do espírito humano de fazer arte não só no prazer e para o prazer, mas também na dor e na iminência do fim.
4 comentários:
gostei da boca dele, sensual, boa para beijar...
Safadinha!... Beijaria mesmo correndo o risco de contrair peste bulbônica?
não deixe de postar.
caí aqui procurando uma foto da capa de flush, e li praticamente o blog inteiro. :D
Olá!
Nossa, adorei seu blog.
Lindo, interessantíssimo...
Vi a divulgação em uma comunidade no orkut.
Por favor, não deixe de postar.
Quando puder, faça-me uma visitinha, ok?
Abraços!
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