terça-feira, 10 de julho de 2007

Da série: encontros inusitados!!!


No dia 18 de maio de 1922, no hotel Majestic de Paris, cinco dos maiores artistas do século XX sentaram-se para jantar. Seria a única vez que isso aconteceria. Os anfitriões eram o escritor inglês Sydney Schiff e sua mulher, Violet, que queriam comemorar a estréia do balé Renard, de Stravinsky, executado pela companhia Ballets Russes, de Diaghilev.
Embora o casal Schiff fossem os anfitriões, o mestre-de-cerimônias era de fato o coreógrafo Diaghilev. Ele era ligado a Stravinsky e Picasso, ambos envolvidos com sua companhia de balé, mas o casal queria mesmo a presença dos dois grandes romancistas modernos, James Joyce e Marcel Proust, ambos escorregadios em relação a eventos sociais.
Em um dado momento, James Joyce atravessou a porta, visivelmente alterado e paralisado pelo nervosismo, enquanto os convidados bebiam café. Ele não tinha dinheiro, chegara atrasado por ter vindo de bonde, e, o que é pior, sem smoking. Os anfitriões contudo ficaram encantados com sua presença, mas a noite só ficou completa às 01h30 da madrugada, quando surgiu “uma figura pequena e garbosa, vestida impecavelmente com um casaco de pele preto e com luvas de veludo”. Era Proust.
Joyce e Proust não se conheciam pessoalmente, mas já sabiam da fama e talento um do outro. Com efeito, antes mesmo de serem apresentados, reconheceram-se como rivais e logo a antipatia os possuiu. Mais tarde Joyce contaria como foi o encontro com o seu antípoda literário: "Nossa conversa constituiu somente na palavra ‘Non’. Proust me perguntou se eu conhecia o duque fulano-de-tal. Eu respondi: ‘Non’. Nossa anfitriã perguntou a Proust se ele já tinha lido algum trecho de ‘Ulisses’. Proust disse: ‘Non’".
O não-diálogo entre Proust e Joyce, contudo, não terminou ali, mas continuou após a ceia. Joyce, meio rústico (como os estereótipos irlandeses) entrou, sem pedir permissão e por engano, no taxi de Proust, pensando que havia sido chamado para os dois. E foi logo abrindo a janela e acendendo um cigarro. Acho que inconscientemente ele queria matar seu rival no pódio da literatura do século, porque todo mundo sabia que o petit Marcel era uma flor que podia fanar-se à qualquer corrente de ar. (A propósito, Proust morreu seis meses depois, o que deixa Joyce sob suspeita!).
Durante o trajeto que o carro fazia, Proust ia falando sem parar com o motorista, e Joyce o olhava meio de esguelha. Mas não se dirigiam um ao outro. Tanto não estavam interessados em trocar palavras que, ao chegar à sua casa, na Rua Hamelin, Proust disse ao motorista: "Por favor, peça a Monsieur Joyce que permita levá-lo até em casa". Só então Joyce percebeu o ridículo de sua situação, mas já era tarde.
É possível que além daqueles dois "Non" durante o jantar eles tenham trocado um "boa noite" ao se despedir. Mas não há registro disso.

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