sexta-feira, 20 de julho de 2007

Il Poeta Nuovo


Pedra angular da moderna poesia lírica e um dos poetas mais influentes da literatura ocidental, Petrarca soube integrar os valores da antiguidade greco-romana a um cristianismo aberto à razão e emoções humanas. Inaugurando assim o Dolce Stil Nuovo, no qual ocorre a fusão entre fé e paixão, dogma e razão, e, principalmente entre o conflito e a mudança que anunciaria o Renascimento e a modernidade.
Filho de um rico tabelião florentino, Francesco Petrarca começou por estudar direito, mas, tendo ficado sem recursos após a falência do pai, resolveu exilar-se na Provença, onde se tornou padre e, com os auspícios da Igreja, pôde dedicar-se à poesia. Dizem que ele era um jovem extremamente piedoso e de reputação irrepreensível, por isso ao receber as ordens menores, passou a contar com a proteção do cardeal Giovanni Colonna de Arezzo, onde foi morar. Mas, por ironia do destino ou desígnio divino, seria justamente em Arezzo que sofreria a grande crise espiritual de sua vida.
Na sexta-feira santa de 1327, em meio aos ofícios de trevas, Petrarca viu entrar na igreja Laura de Sade (ta-ta-taravó do famigerado Marquês de Sade) cuja beleza delicada, duplicada pela modéstia, o fez esquecer de Deus!... Nascia assim um grande amor e uma grande poesia.
Laura recebeu calmamente a adoração do poeta, mas retribuiu essa paixão com um decisivo e peremptório não. Ela era casada, muito bem casada, e ele era padre. Eis tudo. Rejeitado, humilhado e, sobremaneira, apaixonado, Petrarca sublimou-se na mais refinada poesia que a mais refinada das línguas jamais conheceu. Escreveu o Il Canzoniere (O Cancioneiro).
Antes disso, porém, teve o cuidado de mudar de nome. A princípio chamava-se Petracco, mas com o apurado ouvido de poeta, decidiu que não era uma série eufônica de sílabas. Cortando um c, adicionando um r para alongar o a do meio, e trocando o o por um a no final para fazer Petrarca (pois em latim, poeta termina em a), ele realizou um trabalho tão hábil quanto criar um bom verso.
E por falar em verso, é a ele que se atribui a instituição do soneto. Quase toda a obra de Petrarca em verso e prosa, é autobiográfica e introspectiva. São suas duas grandes contribuições ao Dolce stil novo. A prosa (contida em cartas, diálogos e relatos de viagens) descreve o que ele fez, enquanto os versos dos poemas dizem o que pensou e sentiu. Seu estilo tornou-se uma maravilhosa doença poética que assolou o ocidente por quase 400 anos - e ainda não foi erradicada. Com exceção de Dante e Boccaccio, quase ninguém fugiu ao seu contágio: Chaucer e Shakespeare, Camões e Sá de Miranda, Quevedo e Góngora, e até o nosso Gregório de Mattos, padeceram da lírica febre dos sonetos. Em Petrarca essa febre só teve fim quando a peste negra levou Laura e muito dos seus amigos. Foi então que ele voltou-se novamente para Deus e à vida monástica. Dessa fase surgiu obra primas da experiência espiritual como o Secretum ("Meu Livro Secreto"), um diálogo imaginário, intensamente pessoal e cheio de reflexões com Santo Agostinho. Rerum Memorandarum Libri, um tratado incompleto sobre as virtudes cardeais (Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança); De Otio Religiosorum ("Sobre o Lazer Religioso") e De Vita Solitaria ("Sobre a Vida Solitária"), que elogia a vida contemplativa; De Remediis Utriusque Fortunae ("Remédios para os trancos e barrancos"), o primeiro livro de auto-ajuda de que se tem notícias. Eis toda a obra de Petrarca, uma obra grandiosa e belíssima, fruto de uma imensa paixão, que todavia jamais se realizou.

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