No primeiro capítulo do Livro de Jó, lemos que o servo que lhe dá a notícia da desgraça que se abateu sobre sua família, encerra o testemunho dizendo: Só eu sobrevivi para contar!(Jó 1:15)... Todas as vezes que leio esse versículo bíblico, ouço na voz desse servo de Jó a voz do escritor Primo Levi, um judeu italiano, nascido em Turim em 31 de julho 1919, e que só descobriu o total significado de ser judeu entre os anos de 1944 e 1945, quando foi ao inferno e voltou.
Essa terrível experiência de conhecer a total ausência de Deus teve início num dia em que, retornando do trabalho para casa, foi surpreendido e preso por uma milícia de demônios fardados, que depois o enfiaram numa carruagem de um comboio de gado para uma viagem de cinco dias, que o levaria até um lugar do qual jamais ouvira falar: Auschwitz! - o primeiro ciclo do inferno. Com ele partiram 650 judeus italianos, dos quais somente Primo Levi sobreviveria.
E sobreviveu para contar.
Para falar a verdade, no começo ele queria esquecer, queria apagar tudo de sua memória, onde a dor se perpetuava e as imagens do inferno continuavam nítidas. Quando saiu de lá após 11 meses, tinha envelhecido décadas e levava só a pele sobre os ossos, o que já era muito. Aos milhares, seus companheiros saíram antes como se dizia à época, pela chaminé, em forma de densa e acre fumaça negra. Mas todas as manhãs, até o final de sua vida, ele continuou sendo despertado pela voz do diabo. Uma voz bem conhecida que pronunciava uma única palavra, que não era imperiosa, apenas breve. A voz de comando do amanhecer de Auschwitz, uma palavra estrangeira, alemã, temida, esperada: "Wstawách!. Levanta-te."
Por isso decidiu contar, ou melhor, escrever. Queria exorcizar a voz desse diabo com doses cavalares de poesia crua, simples, direta e rasgante, que deixa um nó na garganta de quem lê. E assim narrou, sob a óptica da vítima, a produção em escala industrial da morte, levada a cabo pelos nazistas chefiados por Hitler, Eichman, Himmler, Heydrich e Hermann Goering. Mas, afinal, o que é o homem, o que é a raça humana? O nazismo não só aniquilou vidas, mas exterminou a dignidade. O título de sua obra mais conhecida, É Isto um Homem?, é auto-explicativo.
Além de É Isto um Homem?, destacam-se os livros A Trégua (1958), Os Afogados e os Sobreviventes (1986) — todos sobre a Segunda Guerra Mundial —, mas também o extraordinário A Tabela Periódica (1975), em que Levi relata, em especial, seus anos em Turim anteriores à guerra. Aqui, com um autêntico virtuosismo de composição narrativa, Primo Levi organiza os episódios de sua biografia conforme a distribuição dos elementos químicos da tabela periódica.
A estes livros e aos muitos poemas, ele acrescentou vários contos absurdos ou de humor, pelos quais tentava fugir das lembranças do terror - coisa que nem sempre era possível. Sempre que tentava se libertar da memória, Levi enveredava pelo pessimismo e autodestruição. E mesmo quando nos fazia rir continuava triste.
Talvez tenha sido por isso, que numa manhã de abril de 1987, ao concluir a tarefa de testemunhar - que o prendera à vida desde esse dia já longínquo de Janeiro de 1945 em que ganhara a batalha impossível da sobrevivência contra Auschwitz - a memória tornou-se-lhe insuportável. E numa atitude desesperada, mas condizente com alguns personagens de seus contos, ele se matou.
Não sei se podemos condená-lo por este ato, e não sei se lê decorre da dor, do medo, ou do medo da dor. Só sei que, para Primo Levi, o mundo que permitiu o Lager de Auschwitz ainda não havia desaparecido. Se aconteceu – disse ele ao escritor Philip Roth - pode acontecer de novo!...
E sobreviveu para contar.
Para falar a verdade, no começo ele queria esquecer, queria apagar tudo de sua memória, onde a dor se perpetuava e as imagens do inferno continuavam nítidas. Quando saiu de lá após 11 meses, tinha envelhecido décadas e levava só a pele sobre os ossos, o que já era muito. Aos milhares, seus companheiros saíram antes como se dizia à época, pela chaminé, em forma de densa e acre fumaça negra. Mas todas as manhãs, até o final de sua vida, ele continuou sendo despertado pela voz do diabo. Uma voz bem conhecida que pronunciava uma única palavra, que não era imperiosa, apenas breve. A voz de comando do amanhecer de Auschwitz, uma palavra estrangeira, alemã, temida, esperada: "Wstawách!. Levanta-te."
Por isso decidiu contar, ou melhor, escrever. Queria exorcizar a voz desse diabo com doses cavalares de poesia crua, simples, direta e rasgante, que deixa um nó na garganta de quem lê. E assim narrou, sob a óptica da vítima, a produção em escala industrial da morte, levada a cabo pelos nazistas chefiados por Hitler, Eichman, Himmler, Heydrich e Hermann Goering. Mas, afinal, o que é o homem, o que é a raça humana? O nazismo não só aniquilou vidas, mas exterminou a dignidade. O título de sua obra mais conhecida, É Isto um Homem?, é auto-explicativo.
Além de É Isto um Homem?, destacam-se os livros A Trégua (1958), Os Afogados e os Sobreviventes (1986) — todos sobre a Segunda Guerra Mundial —, mas também o extraordinário A Tabela Periódica (1975), em que Levi relata, em especial, seus anos em Turim anteriores à guerra. Aqui, com um autêntico virtuosismo de composição narrativa, Primo Levi organiza os episódios de sua biografia conforme a distribuição dos elementos químicos da tabela periódica.
A estes livros e aos muitos poemas, ele acrescentou vários contos absurdos ou de humor, pelos quais tentava fugir das lembranças do terror - coisa que nem sempre era possível. Sempre que tentava se libertar da memória, Levi enveredava pelo pessimismo e autodestruição. E mesmo quando nos fazia rir continuava triste.
Talvez tenha sido por isso, que numa manhã de abril de 1987, ao concluir a tarefa de testemunhar - que o prendera à vida desde esse dia já longínquo de Janeiro de 1945 em que ganhara a batalha impossível da sobrevivência contra Auschwitz - a memória tornou-se-lhe insuportável. E numa atitude desesperada, mas condizente com alguns personagens de seus contos, ele se matou.
Não sei se podemos condená-lo por este ato, e não sei se lê decorre da dor, do medo, ou do medo da dor. Só sei que, para Primo Levi, o mundo que permitiu o Lager de Auschwitz ainda não havia desaparecido. Se aconteceu – disse ele ao escritor Philip Roth - pode acontecer de novo!...
E ele não queria ficar para contar.
Um comentário:
Eu tenho todos estes livros citados.
Para mim ele eh um dos melhores escritores do seculo XX
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