Quando o pequeno Vlad nasceu, no dia 23 de abril de 1899, ninguém, obviamente, imaginava que ele seria o grande escritor de duas línguas.
Vladimir Vladimorovich Nabokov, ou simplesmente Vladimir Nabokov, começou cedo escrevendo poemas e contos em russo, língua natal, cuja literatura ele amou e se orgulhou a vida toda, e na qual queria se firmar. Mas, bem sabemos, nem tudo sai como a gente quer. Depois da fuga de sua pátria; do pai assassinado por fascistas em Berlim; da morte do irmão mais novo num campo de concentração nazista, sob acusação de espionagem; da noiva abandonada em São Petersburgo; dos exílios em Berlim, Paris, Eua, e Suíça; da ocultação da identidade em várias obras escritas como pseudônimo de Sirin; depois de tudo isso, Nabokov resolveu trocar de língua e nacionalidade, e em 1950 passou a escrever em inglês - idoma através do qual, felizmente, pôde dar expressão ao seu gênio. Em inglês ele escrevu dois grandes romances: Lolita, seu maior sucesso, e Fogo Pálido, sua obra-prima. Contudo, parece que jamais se orgulhou disso.
Como professor de literatura, entediava de morte seus alunos - detestava quase todos os grandes nomes da literatura mundial que não fosse russos, e traduzia esse ódio reduzindo, por exemplo, a Metamorfose de Káfka ao estudo da anatomia de um inseto, ou Orgulho e Preconceito de Jane Austen a um folhetim ridículo! - Gogol faria melhor, dizia ele com insolência.
Era rabugento e desagradável, a não ser com as borboletas (sua grande paixão). Nos meios literários americanos, tinha fama de esquisitão ou misantropo. E insistia na solidão: sentia-se verdadeiramente feliz, preferia reservar seus momentos para estudar suas borboletas (cujo vôo comparava à arte de escrever), jogar xadrêz, traduzir Pushkin e Lermontov. Nunca teve vergonha de admitir a dificuldade falar em público: "Penso como gênio, escrevo com arte, mas falo como menino."
O ano em que mudou de língua foi também o ano que casou com Vera Slonim - a mulher que lia seus manuscritos e que, um dia, impediu que os primeiros capítulos de Lolita fossem destruídos. Dizem que Nabokov preparava-se para queimar, no jardim de sua casa, os manuscritos do romance. Parece que já pressentia os dissabores que o enredo lhe traria. Como de fato trouxeram: de um lado, alguns leitores se deixavam embalar na vertigem e no delírio de Humbert Humbert, oscilando entre a compaixão e o assombro; do outro, erguia-se o asco, a insistência em rotular o livro de pornográfico, e a perseguição moralista daqueles que chamavam a Nabokov, então com 56 anos, um autor obsceno. Essa gente não percebia que ele, de forma magistral e simples (como as borboletas), retratava a dor da infância perdida, a paixão proibida, a crueldade de amar e sentir esse amor como um pecado e um drama terrível, a tragédia que é a inexorabilidade do tempo.
Para mim, "Lolita" é um confissão. A trágica confissão de um amor que aniquila. E Nabokov tanto é Humbert, em sua loucura e arrogância, com é Lolita, em sua entrega e abandono diante dos abusos da vida.
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