sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Quase a mesma coisa!!!


Todas as vezes que leio alguma das muitas traduções, em português, de "The Raven" (O Corvo), fico me perguntando se, de fato, existe tradução?!... Confesso que sou um tanto cético em relação a isso. Veja bem, até onde entendo, traduzir pressupõe entender o sistema interno de uma língua, a estrutura de um texto dado nessa língua e construir um duplo do sistema textual que, submetido a uma certa discrição, possa produzir efeitos análogos no leitor, tanto no plano semântico quanto no sintático, quanto no plano estilístico, métrico, fono-simbólico, e quanto aos efeitos passionais para as quais tendia o texto fonte. Sendo que "submetido a uma certa discrição", significa que toda tradução apresenta margens de infidelidade em relação a um núcleo de suposta fidelidade, mas que a decisão acerca da posição do núcleo e a amplitude das margens depende dos objetivos que o tradutor se coloca. Isso fica claro nos textos a seguir, onde temos um mesmo autor e um mesmo corvo, que submetidos a dois tradutores (geniais, competentes e clássicos), geram dois corvos, parecidos sim, mas ligeiramente distintos. Ou seria o contrário? Bem, leiam:

O Corvo (original, by Edgar Allan Poe):

Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore -
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of someone gently rapping, rapping at my chamber door."
'Tis some visitor, " I muttered, "tapping at my chamber door -
Only this and nothing more."

Ah, distinctly I remember it was in the bleak December;
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow - vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore -
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore -
Nameless here for evermore.
(...)
Open here i flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately Raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door -
Perched upon a bust of Pallas just a bove my chamber door -
Perched, and sat, and nothing more.

Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
"Though thy crest be shorn and shaven, thou,"
I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient Raven wandering from the Nightly shore -
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

O Corvo (versão Machado de Assis):

Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
“É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais.”

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.
(...)
Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: “Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”

Agora... O Corvo (versão Fernando Pessoa):

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,Mas sem nome aqui jamais!
(...)
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
“Tens o aspecto tosquiado”, disse eu, “mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.”
Disse o corvo, “Nunca mais”.



Como dizer qual o melhor, ou a melhor? Na dúvida, leia no original.

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