sábado, 27 de outubro de 2007

COMPLETAMENTE...


...sem saco. Perdoem. Há de passar.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Mundo menos interessante


Eu só soube hoje, mas aconteceu no último sábado, dia 13!... Ele morava em Olinda, numa casa antiga, de cujo sobrado podia ver todos os blocos no carnaval. E em todos os carnavais eu o via e cumprimentava. Uma vez, pediram que recitasse uma de suas poesias, mas ele modestamente declinou: "Desculpem-me, mas não me ensinaram a falar, só me ensinaram a escrever. Tudo que tenho a dizer está nos meus livros. Leiam."
Alberto da Cunha Melo (1942-2007)

Casa vazia



Poema nenhum, nunca mais,

será um acontecimento:

escrevemos cada vez mais

para um mundo cada vez menos,


para esse público dos ermos

composto apenas de nós mesmos

uns jõoes batistas a pregar

para as dobras de suas túnicas,

seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,

dentro de uma casa vazia.


Alberto da Cunha Melo

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Descalça e sozinha entre a poesia e a santidade


Ela era uma das mulheres mais belas e cortejadas da cidade espanhola de Ávila, era intelectualmente sofisticada, tinha cara e nome de rica, chamava-se Teresa de Cepeda y Ahuamada Saavedra, e de fato era rica – sobretudo em espírito. Leitora voraz, alimentada tanto pelo espírito aventureiro das baladas medievais e dos romances de cavalaria – chegando mesmo a escrever um deles – como pelo espírito exaltado da Flor Sanctorum, das lendas de santos (também desejosa de torna-se poeta e santa), Teresa rejeitou todos os pretendentes e esquivou-se da medíocre segurança doméstica e matrimonial para escolher o caminho da aventura espiritual. Um dia, estarreceu-se com as palavras evangélicas que ouviu durante uma missa: “Vigilate itaque, quias nescitis diem neque horam” – “Velai, pois não sabeis nem o dia nem a hora”. É o fim da parábola das virgens sábias e das virgens loucas: das virgens sábias que prepararam as lâmpadas para as núpcias, e das virgens loucas que esqueceram o óleo, e as lâmpadas apagaram-se, e caiu a noite, e o noivo celeste não as reconheceu; é o evangelho que hoje se reza durante a missa em honra e memória da poeta e mística Santa Teresa d’Ávila.
Sacudida pela poesia e santidade daquele texto, Teresa decidiu não mais pertencer ao número das virgens loucas; então se retirou do século para entrar num mosteiro carmelita, onde, livre e descalça, começou a escrever. De imediato, a virgem sábia foi considerada como louca. Todavia sua loucura não estava no ato de converter-se em monja (coisa corriqueira na época), mas na atitude que essa conversão ensejou: Teresa d’Ávila tornou-se, através de sua poesia, na mulher mais desafiadora e crítica do seu tempo. Seu primeiro alvo foi a própria Igreja; ainda noviça enviou uma carta ao Papa Pio XI denunciando o grande inquisidor Quiroga como uma prostituta assassina e mitrada. Com efeito, foi presa e processada. Ela, porém, não se deixava dobrar, continuou escrevendo e afrontando o inquisidor, os bispos e até o rei Felipe II, de quem era prima distante. Reunindo em si a imaginação de Dom Quixote e a inteligência prática de Sancho Pança, e mais ainda: o humor superior e o gênio literário do criador dessas personagens imortais, ela iniciou a carreira poética de missionária solitária, visionária extática e peregrina fugitiva que cruzou a Espanha deixando atrás de si um rastro de 32 conventos - aos quais convergiram todas as virgens sábias de sua época.
Capturada em Toledo, continuou escrevendo as obras místicas que a consagrariam como a primeira prosadora da literatura de língua espanhola. Escreveu inúmeras cartas aos grandes do mundo e às autoridades religiosas de crenças diversas; cartas cheias de uma coragem indomável, cheias de conselhos sábios, de um humor surpreendente e, sobretudo, de perguntas desconcertantes: foi ela quem fez o filósofo alemão Gottfried Leibniz desistir de ser ateu ao propor-lhe uma pergunta suprema - Por que antes existe o ser e não o nada?... – Leibniz jamais encontrou uma resposta, todavia em face da pergunta concluiu que qualquer declaração atéia, de sua parte, seria uma imponderação evasiva e leviana.
Ainda em vida, Teresa teve um público considerável, foi lida por Cervantes e o dramaturgo Lope de Vega, pelo pintor El Greco e o igualmente poeta e santo Juan della Cruz – com quem manteve extensa correspondência. E como, naquele tempo, o espanhol era a língua universal, sua obra foi traduzida para quase todas as línguas ocidentais. Foi a ela que Goethe atribuiu a moderna redescoberta da consciência individual, isto é, da alma humana como um valor em si mesma. E isso devido ao texto de Alma y Dios, Sola com em Solo (Alma e Deus, sozinha com o Único) – extenso poema que, no século XIX, inspiraria profundamente o existencialismo filosófico de Kierkegaard. Avaliar todo o impacto da obra literária de Teresa d’Ávila nos levaria longe, mas aqui ainda cabe lembrar a estirpe de mulheres igualmente poderosas e santas que ela inspirou, uma linhagem de Teresas, discípulas suas, imitadoras de Cristo, que ao longo dos séculos vêm marcando drasticamente a história espiritual da humanidade: a imaculada e precoce Therese Martin ou Santa Teresa de Lissieux, a mártir e filósofa Santa Edith Stein ou Teresa de Israel; e a iluminada e sempre amada Agnes Gonxha Bojaxhiu ou Madre Teresa de Calcutá.
Em seus diários, Dostoievski escreveu que através de Teresa d’Ávila entendeu “que os santos podem não ser infalíveis, mas são resolutos. E não são reacionários, modernos, restauradores ou revolucionários, pois representam o eterno. E são loucos sim, mas absolutamente livres, e sabem que a espada do espírito é mais cortante que o aço.”
Além da fé, do amor e da esperança, podemos dizer que a liberdade, o intelecto, a paixão, a audácia e influência espiritual de Teresa d’Ávila são provas incontestes de sua santidade.

Fé que inspira santos que inspiram arte...


Uma sensação fulgaz de dor e prazer expresso num instante eterno, a intensa brevidade do êxtase retida para sempre num só gesto... O insólito encontro da alma diante do Único.
Bernini
O Êxtase de Santa Teresa d'Ávila,
no altar da igreja de Santa Maria della Vitória - Roma.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007


“No fundo do Mato-Virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.”


Mário de Andrade

O homem que falava brasilês!


Mário de Andrade foi um dos escritores mais multiformes da literatura brasileira. Cultivou praticamente todos os gêneros. Foi poeta, romancista, contista, ensaísta, crítico literário e de arte, musicólogo e folclorista. Mas, sobretudo, foi o primeiro literato a escrever em brasileiro!... É possível distinguir três fases na sua obra: primeiro, foi o delírio modernista da “Paulicéia Desvairada”. É uma fase de renovação belicosa, de iconoclastia e maneirismo. E ao mesmo tempo a fundação teórica e a realização prática.
Numa segunda fase, é o descobrimento do País, do nacionalismo pitoresco, do folclore, ou seja, é a época de O Clã do Jabuti, do insólito Macunaíma e do magistral Ensaio sobre a Música Brasileira. Num terceiro período, a sua arte, abandonando o pitoresco exterior, interioriza-se e amadurece pela meditação. Torna-se mais serena mais profunda, e então surge o poeta do “Remate de Males”. Aqui o nacional, o folclórico, o coletivo fundem-se com o pessoal, o individual, numa solução estética muito original, típica do autor. Assim a poesia de Mário de Andrade é inconfundível, tem um sotaque brasileiro e ao mesmo tempo pessoal.
Na ficção distingue-se principalmente no conto, tendo sido uma dos maiores criadores do gênero entre nós. Em caso de dúvida sugiro que leiam Belazarte e os Contos Novos. Mas excepcional mesmo é Macunaíma, que ele classificou como rapsódia brasílica, “o experimento ficcional mais sério que o modernismo fez do caráter nacional.” No ensaio, brilha uma das inteligências mais penetrantes da nossa realidade. E Mário de Andrade é o autor de alguns melhores livros brasileiros do gênero. Basta lembra seus estudos sobre Aleijadinho e Álvares de Azevedo, e outros reunidos em Aspectos da Literatura Brasileira, seus escritos sobre música brasileira e os artigos de crítica enfeixados no Empalhador de Passarinhos.
Mário de Andrade foi, acima de tudo, o intelectual e artista cônscio de seu dever, de sua missão histórica. Essa consciência faz dele um participante, um agitador de idéias e de espíritos. Dizem que sua personalidade irradiava alegria de viver e estímulo ao trabalho criador. Isso transpira principalmente de sua numerosa e palpitante correspondência. Com esse alto sentimento de obrigações com o seu momento histórico-cultural, de home a serviço da renovação nacional, plasmou a sua obra. Isto explica talvez o cunho circunstancial, às vezes polêmico, de parte de sua criação literária. Exagerou alguma vez no sotaque brasileiro a sua língua artística. Mas, no todo, a sua obra é das mais altas expressões da literatura nacional, e, impregnada de calor humano e entusiasmo, te força suficiente para perdurar.

Quatro retratos, quatro polêmicas...

O fato de Mario de Andrade possuir em sua coleção de artes visuais 40 retratos seus, produzidos por artistas de variadas escolas, estilos e técnicas, mostra o interesse do escritor no retrato, não como gênero de pintura, mas como instrumento para conhecer as várias interpretações que os artistas, a maioria seus amigos, reservavam nos traços, pinceladas e composições de seu próprio rosto.Assinam seus retratos artistas como Portinari, Anita Malfati e Tarsila do Amaral - que o teriam pintado na mesma oportunidade -, Lasar Segall, Di Cavalcanti e Victor Morelli, além de outros desenhistas e caricaturistas.
Por meio de numerosas cartas aos amigos Manuel Bandeira e Henriqueta Lisboa, Mario de Andrade não deixou de registrar suas opiniões sobre cada um desses trabalhos, particularmente dos que mais o impressionaram, estabelecendo, às vezes, um diálogo poético com os próprios artistas, valorizando a expressividade e a interpretação de cada um deles. Não deixou, entretanto, de questionar os que não corresponderam as suas expectativas. Para ele, suas características pessoais - algumas bem particulares como a questão da sua sexualidade - estavam sendo interpretadas nas representações e esse fato bastava para que o resultado da obra fosse ou não aceito por ele.
De todas as representações, o trabalho de Segall (acima), foi o mais polêmico pois despertou em Mario de Andrade sentimentos contraditórios de aceitação e rejeição ao mesmo tempo. Para ele, Portinari (na pintura abaixo) havia pintado as suas melhores qualidades e Segall, as piores. Suas críticas foram duras, às vezes cruéis, revelando facetas pouco conhecidas de seu pensamento.

Sobre os trabalhos de Segall e Portinari, Mario de Andrade escreveria em 11 de julho de 1941 à sua amiga Henriquetta Lisboa: “(...) O Portinari quando se propôs fazer meu retrato já me queria muito bem e éramos já muito bons camaradas. E além disso ele tinha por mim um especial e muito agradecido carinho.(...) E foi nesse estado iluminado de amor que ele fez o meu retrato que...eu fiz ele fazer de mim: só bom“. “Como os retratos dele (Portinari) e do Segall me completam... quase chego a me envergonhar.(...) O retrato feito pelo Segall foi ele mesmo sozinho que fez. Não creio que o Segall, russo como é, seja capaz de ter amigos. Pelo menos no meu conceito de amizade, uma gratuidade de eleição, iluminada, sem sequer pedir correspondência. Éramos bons camaradas e apenas. Como bom russo complexo e bom judeu místico ele pegou o que havia de perverso em mim, de pervertido, de mau, de feiamente sensual. A parte do Diabo. Ao passo que o Portinari só conheceu a parte do Anjo. Às vezes chego a detestar (me detestar) o quadro que Segall fez.
Anita fez vários retratos do escritor paulista, (uns vinte, segundo Mario de Andrade em sua carta à Henriqueta), mas, em 1922, ela e Tarsila pintaram juntas os retratos do amigo escritor, presenteando-o pelo seu aniversário em 9 de outubro do mesmo ano, segundo informações de Marta Rosseti, autora do livro "Anita Malfati – no Tempo e no Espaço". O resultado desse trabalho exemplifica claramente os traços mais livres de Anita (que ela abandonaria em seguida), com as cores dominando a composição, o fundo plano e expressividade concentrada nas cores fortes das faces e da testa. Houve reclamações: O “ar messiânico” e a “magreza espigada”, comentados por Mario de Andrade como se ele tivesse “jejuado quarenta dias e quarenta noites” revelavam, segundo suas próprias palavras, o espírito dessa fase de delírio que vivenciou. Coloco isto aqui porque acredito haver uma costura interessante a ser feita entre as interpretações plásticas dos artistas, a interpretação pessoal do próprio retratado como modelo exigente (e nem sempre justo) que era, e a do espectador deste blog que deve também exercer o seu direito à interpretação. Então, por favor, olhem, comentem e constatem que Mário de Andrade não passava de uma diva.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Idéias que inspiram pessoas que inspiram artes...



Gore Vidal por Andy Warhol



Um estranho no ninho do império!



Eugene Luther Gore Vidal estreou na literatura aos 19 anos de idade com o romance “Williwaw”, e desde então não parou de aporrinhar a consciência política dos americanos com uma interminável sucessão de livros desafiadores e polêmicos. Rico, branco, protestante, inteligente, petulante, gay, filho de uma família tradicional e influente (a dinastia Gore, da qual também descende o ex-quase-presidente Al Gore), mas esquerdista convicto, Gore Vidal é a viva negação intelectual do sonho americano, ou seja, é um chato... Para os americanos, claro!
A sua relação de amor e ódio com os Estados Unidos está bem expressa na série de romances “Crônicas Americanas” e na coleção de ensaios “United States”, que valeu-lhe em 1993 o National Book Award. Em 1995 publicou uma notável autobiografia, “Palimpsesto”, na qual fica mais visível a sua postura diante do american life way, com direito a revelações sobre a elite política de Washington e a nata artística de Hollywood. Em todos estes livros ele diz coisas incômodas, como se observasse os Estados Unidos simultaneamente com um telescópio e um microscópio. Quando se vêem as coisas com este pormenor, com esta ironia, com este humor, com este cinismo, se é forçosamente incômodo, e às vezes extravagante, e outras vezes abusado. Mas é justamente o que ele quer ser. Oscilando sempre entre o romance e a história, Vidal só não decidiu se quer ser um romancista ou historiador. Só o tempo dirá.
Entretanto, é fundamental sublinhar que a sua narrativa tem uma enorme qualidade literária, talvez duas. “Prodigioso” foi um adjetivo comum da crítica para definir as “Crônicas”. E “didático” foi outro. Por “Império (seu melhor romance)” passam figuras da História dos Estados Unidos como os Presidentes McKinley e Theodore Roosevelt, como John Adams e John Hay; como o magnata da imprensa William Randolph Hearst, como o escritor britânico Henry James. Passa toda a promiscuidade entre dinheiro e política. Passam todos os bem intencionados, todos os corruptos, todos os fazedores de políticos e de presidentes. Passa tudo aquilo com que se constroem e mantêm os impérios.
Mas nem tudo é política em sua obra (embora sempre seja polêmica): é dele o escandaloso “Ao vivo do Calvário”, onde reconta o Novo Testamento de um ponto de vista bastante irreverente, para não dizer blasfemo.
Hoje Gore Vidal é um senhor de quase 80 anos que continua a insistir na faceta de provocador, o homem que pensa que os Estados Unidos não têm razão para se interrogarem por que foram atacados no 11 de Setembro, sabendo-se que depois da II Guerra Mundial já fizeram em todo o mundo mais de 200 ações militares e que uma lei da natureza é a de que não há ação sem reação... O homem que defende que os militares norte-americanos devem fazer as malas e sair de todos os lugares do mundo em que se encontram. Enfim, que os Estados Unidos regressem às suas raízes republicanas, que deixem de interferir nos assuntos das outras nações e também nas vidas privadas dos seus próprios cidadãos. Que enterrem este império cujo nascimento ele nos mostra e cuja morte ele profetiza nas “Crônicas Americanas”, que fazem dele um dos principais escritores americanos da atualidade. Essas crônicas - quase me esqueci de dizer - são compostas pelos livros “Washington D.C.”, “Burr”, “Lincoln”, “1876”, “Império (sua obra-prima)”, “Hollywood” e a “A Idade de Ouro”.
Toda sua obra foi (e ainda tem sido) escrita com o grande humor e a grande ironia de alguém que tem a certeza de está narrando a História Verdadeira.
Só o tempo dirá!

Da série: Não vou falar, não vou falar... Vou falar!


Na década de 80 rolou um boato (coisa barra-pesada, fuxicão cabeludo, maldade de gente desocupada), segundo o qual o Gore Vidal teria um "loverboy" brasileiro, um rapaz culto, fino e inteligente, com quem manteve um belíssimo caso de amor que entrou para os anais (sem trocadilhos) dos grandes romances homoeróticos!... Até aí tudo bem, não seria o primeiro nem o último, só que o detalhe pitoresco da rumor era o "dito cujo", isto é, "quem" era o tal do loverboy!...
Quem?...
Ah, não vou falar. Não, de jeito nenhum, não adianta implorar, suplicar, rastejar. Quéisso? Meu blog não é salão de beleza, nem mesinha de manicuri, e tampouco sucursal literária da revista Contigo!... Que baixaria, que coisa feia, sei que isso acontece em outros blogs, sei que é uma conseqüência incontornável da pós-modernidade, da in-cultura instantânea, da desinformação em tempo real, da comunicação em bytes. Mas eu, decididamente, enfáticamente, me recuso a dizer que o namorado do Gore Vidal era o Diogo Mainardi!...

Iiiiiiiii!... Ah, mas e daí? Já faz muito tempo, foi na Itália, eles moravam juntos...


Tá bom, parei!... Fica só entre nós.