quarta-feira, 16 de dezembro de 2009


De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê cnocseguee anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa ltrea szoinha, mas a plravaa cmoo um tdoo.

domingo, 13 de dezembro de 2009



Um blog sine qua non!

sábado, 12 de dezembro de 2009

Entre a Cruz e a Poesia

A antífona de entrada da liturgia que, hoje, celebra a memória do maior santo e poeta do Siglo de Oro espanhol, é tirada da epístola de São Paulo aos Gálatas, e diz: "A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória: Nele está nossa vida e ressurreição, foi Ele quem nos libertou (Gl. 6:14)". Juan de Yepes Álvarez, também conhecido como San Juan de la Cruz, foi um dos grandes mestres e testemunhas da experiência mística, mas, antes disso, foi um homem apaixonado e apaixonante. Sua aparente austeridade não pode ocultar este fato, que se revela em todas as luzes no lirismo de seus poemas, na radicalidade de suas escolhas e na concentração de seu viver vocacionado. Filho de uma rica família de Toledo, ele contrariou os pais quando, aos 17 anos, casou-se com uma belíssima garota pobre, para quem escreveu seus primeiros poemas. Tendo sido deserdado, Juan manteve-se firme na decisão e tornou-se tecelão de seda para prover o sustento da linda esposa, que todavia morreria após um ano de intenso convívio conjugal. Sobrevindo a viuvez, ele foi estudar teologia em Salamanca, depois mudou-se para Ávila, onde se tornou monge. Foi lá que, em 1577, aos 25 anos, ele se encontrou pela primeira vez com a misteriosa Teresa d'Ávila, renomada poetisa e monja, que o iniciou na contemplação mística de Deus, e fez dele o seu confidente e principal interlocutor espiritual. Juntos, Juan e Teresa produziram a melhor poesia sagrada da língua espanhola, e iniciaram o movimento de crítica e reforma da vida religiosa que lhes custaria difamações, perseguições e os maus tratos da Inquisição. O santo poeta definiu este episódio conturbado e cheio de incertezas de sua trajetória, como "A Noite Escura do Espírito" - título de seu poema mais conhecido. Profundamente marcado pelo sofrimento, ele decidiu assumir o cognome de Juan de la Cruz, e desde então, como um redivivo, passou a compor os versos de quem prova a paixão de Deus e a paixão do homem. A noite escura do espírito, segundo Juan, é metáfora para o mistério da Fé e da Esperança que só podem se consumar na Caridade, que é a realidade última de Deus - e na presença plena de quem, esta mesma fé e esta mesma esperança tornam-se supérfluas, bastando a caridade. Em sua poesia, Juan de la Cruz compara a fé e a esperança a duas lâmpadas preciosas que nos conduzem pela escuridão da existência terrena, e nosso espírito a uma taça vazia, cuja boca se abre para que a Graça da caridade o habite. Como herdeiro lírico do "Cântico dos Cânticos", ele descreve as carências do espírito humano em termos de um erotismo sublime, e como continuador de São Paulo ele faz da Cruz de Cristo a metonímia definitiva da paixão verdadeira. Ouçamo-lo:

Eu dormia, mas o meu coração velava
E ouvi o meu amado que batia:
Abre minha amada, minha irmã,
Pomba sem defeito!
Tenho a cabeça orvalhada,
Meus cabelos gotejam sereno!
Já despi a túnica,
E vou vesti-la de novo?

Como se pode vê, é a lírica do "Cântico dos Cânticos" que assinala o modo como Juan de la Cruz compreende e expressa o cerne da nossa existência: o desejo! E sendo o desejo a contingência universal da natureza humana, só a sua objetivação em Deus pode plenificá-lo e abri-lo inteiramente à transcendência, cujo emblema é a cruz. Cristo, diz o santo-poeta, não pregou a aniquilação do desejo ou da paixão, pois era "verdadeiro Deus" e "verdadeiro Homem". Não quis desumanizar-nos, embotando nosso coração ou nos fazendo fugir dos sentimentos como fazem os estóicos e niilistas. Antes, ensinou-nos a vivê-los consciensiosamente, em máxima caridade, a ponto de aniquilarmos a nós mesmos!... Quem quiser segui-Lo, que tope o desafio: tome sua cruz e siga-O. Juan tomou a sua cruz e fez dela a mais bela poesia sobre os mistérios de Deus na alma e da alma em Deus. Sua imensa obra poética foi lida ao longo destes últimos quatro séculos, em várias línguas e lugares. Muitos dos seus leitores, naturalmente, não o entenderam, porém, isso não o impediu de marcar, indelevelmente, a moderna literatura ocidental com uma experiência espiritual que ecoou, e ainda ecoa, na noite escura da atualíssima insensibilidade estética, para não dizer espiritual.
Com efeito, o Deus dos filósofos iluministas e dos laicistas radicais pode ter morrido no século XIX, mas o Deus de San Juan de la Cruz, e a linguagem e a visão de mundo gerada por sua "presença real" continuam formidavelmente vivos e operantes nos escritos de Cervantes, Pascal, Thomas Hardy, Hölderlin, Dostoiévski, Proust, Joyce e Borges. Nós não teríamos os ritmos inquietantes da prosa de Mauriac e Grahan Green, nem as aflitas indagações de Baudelaire, Thomas Mann ou Faulkner. Não teríamos o erotismo sagrado de John Donne, Hilda Hilst e Adélia Prado. Nem o mundo de Schoenberg e Guimarães Rosa, que é bíblico até o âmago. Não teríamos sequer a peça “Fim de Jogo” de Beckett, que é uma meditação precisa sobre os instrumentos e as finalidades da Paixão. Se temos isso, e muito mais, é porque estes escritores optaram por continuar uma mística poética à qual, confessadamente, foram expostos por San Juan de la Cruz.

Cristo de San Juan de la Cruz, segundo Salvador Dali

Quando era adolescente, o gênio da pintura surrealista, Salvador Dali foi ao Mosteiro da Encarnação, em Ávila, visitar o túmulo de São João da Cruz, seu "poeta de devoção", como ele mesmo dizia. Na ocasião, ao conhecer a antiga cela do místico, Dali viu um pequeno desenho da crucificação de Jesus Cristo, feito de uma perspectiva totalmente inusitada, e que na sua opinião só poderia ser "consecuencia de un estado de éxtasis!..."




Em 1951, já adulto e famoso, Dali fez sua própria versão da imagem, e pintou um Cristo de cabelos curtos, sem coroa de espinhos, sem sangrametos e, no lugar da famosa inscrição no topo da cruz, ele colocou uma folha de papel dobrada: um poema de São João da Cruz!... Abaixo, pintou a baía de Port Lligat, onde vivia. Ao expor a imagem, Dali declarou que sua "ambición estética en ese cuadro era la contraria a la de todos los Cristos pintados por la mayoría de los pintores modernos, que lo interpretaron en el sentido expresionista y contorsionista, provocando la emoción por medio de la fealdad. Mi principal preocupación era pintar a un Cristo bello como el mismo Dios que él encarna."

A noite escura da alma




Que bem sei eu a fonte que mana e corre,
mesmo sendo noite!

Aquela eterna fonte está escondida,
que bem sei eu aonde tem guarida,
mesmo de noite!

E pela noite escura desta vida,
que bem sei eu por fé a fonte frida,
mesmo de noite!

Sua origem não sei, pois não a tem;
mas sei que toda origem dela vem,
mesmo de noite.

Sei que não pode haver coisa tão bela,
e sei que céus e terra bebem dela,
mesmo de noite.

Bem sei que solo nela não se vê
e ninguém pode atravessá-la a pé,
mesmo de noite.

Tem claridade nunca escurecida,
e sei que toda luz é dela havida,
mesmo de noite.

Sei serem tais caudais suas correntes
que céus e infernos regam, como às gentes,
mesmo de noite.

A caudal que provém desta nascente
bem sei ser mui capaz e onipotente,
mesmo de noite.

A corrente que de uma e outra procede
sei que nenhuma delas a precede,
mesmo de noite.

Bem sei que três numa única água viva
residem, e que de uma a outra deriva,
mesmo de noite.

Aquesta eterna fonte está escondida
em nosso vivo pão, por dar-nos vida,
mesmo de noite.

Aqui estão chamando as criaturas,
e fartam-se desta água, ainda às escuras,
porque é de noite.

Aquesta esta viva fonte, que desejo,
eu neste pão de vida bem a vejo,
mesmo de noite.




San Juan de la Cruz

A arte de detonar vírgulas.