quinta-feira, 31 de maio de 2007


Eu parto com o ar

sacudo minha neve branca ao sol que foge,

desfaço minha carne em redemoinhos de poeira,

entrego-me à terra para crescer nas ervas que amo.

Se queres ver-me novamente,

procura-me sob teus sapatos;

Dificilmente saberás quem sou, ou o que significo.

Mas, se não conseguires me encontrar, não desanimes;

O que não está numa parte está noutra.

Nalgum lugar estarei a tua espera.

Walt Whitman

O Cantor de si Mesmo


No dia 31 de maio de 1819, a Sra. Louisa van Velsor, piedosa e respeitável membro da comunidade quacker de West Hills, de Long Island nos Estados Unidos, deu a luz ao menino que conduziria a poesia ocidental à modernidade, encontrando no viver do homem comum temas dignos de belos versos... livres. O que faz Homero para a Grécia, Virgílio para Roma, Dante para a Itália, Shakespeare para a Inglaterra e Goethe para a Alemanha, iria fazer Walt Whitman para a jovem América.
Gênio precoce, ele abandou os estudos na adolescência para encontrar na escola da vida o material humano de que precisava para se expressar e semear a poesia do futuro. Antes disso, porém, foi moleque de recados em escritório de advocacia, tipógrafo, professor primário, assistente editorial de Edgar Allan Poe, jornalista freelancer, especulador imobiliário, funcionário público, conferencista, defensor da mulher, polêmico pregador evangélico, enfermeiro de guerra, militante da democracia e ativista gay. E todas estas coisas, fé, democracia, guerra, capitalismo, feminismo e homoerotismo estão presentes em sua originalíssima obra poética, onde não há nenhuma nuança de pompa ou verbosidade, mas substantivos e adjetivos viris, verbos brutais, expressões tomadas das ruas e dos campos. E também o inusiado da forma: nada de rimas, nenhum metro ou ritmo regular, apenas os naturais da respiração ou dos ventos do mar.
Não é de admirar que tudo isso, em todos os aspectos, fosse considerado um escândalo.
Mas Whitman era a ousadia em pessoa, e quando todos viraram-lhe as costas com asco e soberba, ele, ao invés de se calar, aliou-se a outro escandaloso e polêmico literato: Oscar Wilde!... O oceano separava os dois, todavia não foi empecilho para que um dia se encontrassem e, em público, trocassem elegios e um beijo de língua. A literatura de língua inlgesa ficou de cabelo em pé.
Apesar disso, Whitman dividia opiniões, e era amado e odiado na mesma proporção. Queria ser a voz dos excluídos, um grito, um protesto, um manifesto, por isso escreveu a "Canção de Mim Mesmo", um poema imenso, onde canta a tudo e a todos. E mesmo chocando, conseguiu abrir um caminho por onde, futuramente, passariam Baudelaire, Emerson, Hart Crane, T. S. Eliot, Federico García Lorca, Luis Cernuda, Fernando Pessoa, Jorge Luis Borges, Elizabeth Bishop, Sylvia Plath, Paulo Leminsk, Bob Dylan e muitos outros. Até Bram Stoker, criador do Drácula, era seu admirador e correspondente.
O curioso é que toda a sua poesia está complida num único livro, The Leaves of Grass (As Folhas da Relva) , que ele escreveu, corrigiu, reescreveu e recotocou infatigavelmente milhares de vezes ao longo de 40 anos. Só parou quando morreu. E eme meio a essas folhas encontramos, além da "Canção de Mim Mesmo", a deslumbrante poesia de "A Última vez que Lilases Floresceram à Porta", de "Os que Dormem" e da "Travessia da Barca do Brooklyn".
Eu, particurlamente, gosto muito de "Os que Dormem", por ser o registro de uma caracterista de Whitman que poucos reparam ou comentam, ou seja, a sua bondade. Para além, ou aquém, do Whitman genial, libertário, militante, inovador e gay, existia um Whitman imensamente humano, bastante sensível ao sofrimento alheio, que, durante a terrível Guerra Civil Americana, trabalhou voluntariamente socorrendo suas vítmas. Dizem que ele chegava nos hospitais como um Papai Noel disfarçado, com sua enorme barba de neve, trazendo brandy e sorvete, livros e cigarros, canetas e papel, afim de escrever cartas para os incapazes. E os curava: com sua presença, sua compaixão e, sobretudo, com seus poemas. De quantas outras figuras de santo dispomos na literatura? Eu não sei.
Só sei que nos EUA, Whitman continua sendo amado e odiado. Leaves of Grass ainda se encontra banida dos currículos escolares por razões de censura moral, contudo é a obra mais lidas e estudada em termos de investigação universitária. Muito dessa poesia foi citada no filme Sociedade dos Poetas Mortos, o que reacendeu o interesse do grande público. E eu lembro que, em 2004, New York comemorou os 150 anos de sua publicação.

Walt Whitman parace que é moderno até para nosso tempo.



De frente com Clarice


Clarice Lispector já era um monstro da literatura nacional quando começou a fazer entrevistas para ganhar a vida. Triste sina de todos os que pretendem fazer boa literatura no Brasil!... E aqui, neste livro, encontra-se o registro da experiência de Clarice enquanto entrevistadora, que parece ter sido tão difícil quanto a de escritora. Com memso olhar de bisturi que compunha seus romance, Clarice entrevistava com o intuito de rasgar, no sentido literal, a alma dos seus entrevistados. Método que nem sempre tinha bons resultados, como podemos verificar na entrevista que ela fez como o cronista José Carlos Oliveira e que qause acabou nos tapas em pleno restaurante Antônio’s.

O tipo de leitura que combina com unhas roidas. Altamente recomendado.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

O pai do 007


Filho de um ilustre herói de guerra e neto de um riquíssimo banqueiro escocês, Ian Lancaster Fleming, nasceu no dia 28 de maio de 1908 para ser mais um aristocratazinho mimado, que viveria a sombra da fortuna do avô, sem nenhuma notoriedade além das colunas sociais. Todavia, a literatura quis um destino diferente e, digamos, mais "nobre". Depois de concluir os estudos (nas melhores escolas européias), Fleming renunciou ao mecenato do avô e tentou se virar sozinho, indo trabalhar na agência internacional Reuters, no início da 2ª guerra. Foi aí que a veia jornalística, aliada ao seu vasto conhecimento em línguas, fez com que ele descobrisse a vocação literária. Trabalhando em lugares “perigosos”, como Berlim e Moscou, Fleming foi o melhor e mais confiável correspondente internacional do Times de Londres. Por essa época, na Rússia, ele teve que cobrir o julgamento de seis engenheiros britânicos acusados de serem agentes secretos. Era o primeiro contato com o submundo da espionagem, que o deixaria fascinado e levaria a ingressar no Serviço de Inteligência da MI6, onde chegou ao posto de comandante — tal qual o seu ilustre personagem: o agente James Bond, cognominado 007.
É incrível, mas ainda há muita gente que não sabe da origem literária do lendário espião (sinal de que a literatura, de fato, está ameaçada pelas telas). James Bond surgiu há 54 anos, em meados de 1953, no livro Casino Royale (recentemente filmado). Já deslumbrado pelo mundo da espionagem e por bacará, Ian Fleming imaginou um personagem que fosse uma versão ideal de si mesmo, um fumante inveterado, fino, culto e elegante, que trabalhasse para o MI6 e que tivesse sorte no jogo e com as mulheres. Só faltava um nome. Fleming se lembrou de um livro que estava lendo em suas férias na sua fazenda na Jamaica. O nome do livro era Birds of the West Indies. O nome do autor da obra: James Bond, um ornitólogo. No entanto, segundo a biografia fictícia, James Bond, o agente, nasceu na Escócia em 1924. Seus pais morreram em um acidente na montanha quando ele tinha 8 anos. Depois da guerra, entrou para o MI6 como agente externo, ao contrário do MI5, que atua apenas dentro do Reino Unido. Nesse setor, teria recebido a “famosa” licença para matar, que é indicada pelos dois zeros na frente do 7, em 1950.
Metade ficção, metade um disfarçado guia de espionagem para novatos, Casino Royale foi inspirado numa fracassada incursão de Fleming pelos cassinos de Lisboa durante a 2ª Guerra Mundial. O trabalho tornou-se estrutura básica da maioria dos livros de Bond e do seu próprio personagem. Contudo, não obteve sucesso imediato. A primeira edição contou com parcos 475 exemplares, e até hoje é item de colecionador. Passados 40 anos, porém, a obra é peça procurada e paga a peso de ouro.
Persistente, Ian queria ser tão famoso quanto seu irmão Peter Fleming, que ganhou notoriedade como o autor dos livros "Brazilian Adventure" (1933), onde narra suas expedições ao interior do estado de Mato Grosso (alguém já leu ou ouviu falar?)!... Ian apostou então novas fichas e publicou o sequência "Viva e Deixe Morrer". Deu sorte: em 1954, do dia pra noite, tornou-se num dos autores mais empolgantes e prolíficos da história das novelas de espionagem. Seu herói idealizado, típico de matinés, cheio de clichês que já atravessam 20 filmes e 40 anos de existência nas telas de todo o mundo, é admirado por qualquer mortal que nos cinemas viu seus muitos intérpretes, ou conheceu a sua música tema, os seus carros potentes, suas engenhocas infalíveis, a sua bebida favorita e as suas extravagâncias sexuais. Ironicamente tudo isso foi visto, mas não lido.
Pode-se dizer que cinema foi ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição para Fleming que, apesar de todo sucesso, jamais foi devidamente apreciado como escritor. Mas, a vida é assim mesmo.
Rico, famoso e invejado, no auge de sua produção intelectual, Ian Fleming morreu num campo de golfe de Kent, na Inglaterra, no dia 12 de agosto de 1964, devido a uma complicação coronariana produzida pelo cigarro. Seu último desejo era que o seu sobrinho, e ator, Christopher Lee, interpretasse Bond no cinema. Mas Lee estava mais interessado em ser o Supermen. Então, por mais uma dessas ironias do destino, a encarnação do personagem teve que ser feita pelo o ator que Fleming mais detestava: Sean Connery!... Que, todavia, adorava ler as aventuras do 007, e foi o seu melhor intérprete. Coisas da vida.

domingo, 27 de maio de 2007


Os lugares mais quentes do inferno são destinados aos que, em tempo de crise, mantêm-se neutros.
Dante

O Poeta

Quando a Europa ainda convalescia do longo pesadelo da queda do império romano e das invasões bárbaras, e quando a Igreja ainda servia-lhe como enfermeira, algumas cidades foram surgindo como centros de uma nova ordem mundial. Da França a Pérsia, de Pequim a Lisboa, o comércio restaurado deu alento à cultura ocidental que renascia através de arte e literatura. Em Naishapur, o poeta matemático, Omar Kayhyan, compõe o seu Rubayat de desiludida alegria; em Paris, o poeta-ladrão François Villon, entre um assalto e outro, compõe gestas maravilhosas; e em Florença, Dante, o Poeta, encontra Beatriz e nunca mais volta a ser o mesmo.
Vamos imaginar Dante, aos 9 anos, num dia 27 de maio como este, em sua festa de aniversário, procurando esconder-se de todos, com vergonha de cada parte do seu corpo e de cada par de olhos do recinto. É então que, de súbito, Beatrice Portinari surge-lhe à frente - uma menina de 8 anos, e imediatamente nasce no coração do menino o amor - um amor que a carne não fala - pura afeição. "Naquele instante o espírito da vida, que se esconde no mais íntimo recesso do coração, começou a vibrar com tal violência que se revelava em minhas pulsações; e trêmulo, eu me pronunciei estas palavras: - Esse deus mais forte que eu virá governar-me!..." Assim escreveu Dante anos mais tarde num relato idealizado, porque nada na memória tem a suavidade do primeiro amor.
Entretanto, Beatriz deu-se a outro, e faleceu aos 24 anos, de modo que foi possível a Dante amá-la até o fim, sem que o tempo roubasse-lhe a beleza e a satisfação do desejo embotasse-lhe a fantasia.
De resto, entregou-se à política, foi derrotado e exilado, com todos os bens confiscados. Por protestar e demonstar revolta, condenaram-no a ser queimado vivo - caso fosse apanhado. Dante não se deixou apanhar, mas espiritualmente sofreu a pena da fogueira: pôde mais tarde descrever o inferno porque na terra passou por todos os círculos infernais; e se menos vivamente pintou o paraíso foi por falta de experiência pessoal. Vagou de cidade em cidade, perseguido e sem amigos, muitas vezes passando fome.
É possível que a Divina Comédia que começara a escrever o salvasse do suicídio ou da loucura, pois nada dignifica tanto a alma de um homem como a criação da beleza e a busca da verdade. E como disse Nietzsche, a vida é insuportável para quem não a encara como um espetáculo estético; olhá-la como motivo para um quadro ou canção é atitude que afasta os espinhos. Por isso, Dante começou a escrever; contou com magoada alegria como tinha vivido no inferno, como se purificara no purgatório do sofrimento e como afinal se alçára a um céu de felicidade conduzido pelas mãos da sabedoria e do amor. Não seria coisa medieval se não fosse alegórica: nossa vida na terra é sempre um inferno até que a sabedoria (Virgílio) nos purgue e o amor (Beatriz) nos erga à felicidade e à paz.
Dante, todavia, nunca conheceu a paz; permaneceu até o fim torvo de aspecto e alma - como Giotto o pintou. Dizem os seus contemporâneos que jamais sorriu, e dele falavam com pavor como de um homem verdadeiramente egresso do inferno. Alquebrado e gasto, prematuramente velho, ele morreu em Ravena em 1321, aos 56 anos. Tempos depois, Florença implorou pelas cinzas do que em vida tanto se esforçou por queimar na fogueira. Mas Ravena negou, e o túmulo de Dante ainda está lá como um dos seus grandes monumentos. Quinhentos anos depois, outro exilado, Byron se ajoelhava diante dele - e compreendia.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Feliz Dia do Café

Tenho fé

no café

nosso de cada dia

abençoado seja por transformar

sono em euforia

e fazer de toda conversa mundana;

confissão espiritual.



Tenho fé

no café

que quente

esfria meu dia

na garganta medita

e me concede harmonia

e equilíbrio estomacal.



Tenho fé

no café

expresso, pingado ou de padaria

que depois de bebido

serve de alívio

para todo e qualquer

desarranjo emocional.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Pequeno Gigante da Poesia

Nos dias atuais, são poucas as pessoas que ouviram falar de Alexander Pope, e, dentre estas, poquíssimas são as que já o leram. Não obstante, ele foi o maior poeta inglês do século XVII, e o primeiro a obter fama internacional.

Quando Pope nasceu, no dia 21 de maio de 1688, Shakespeare havia falecido há 72 anos e estava praticamente esquecido. Nessa época os britânicos preferiam a poesia de Ben Johnson, Milton e Dryden, que todavia não tinha grande repercussão. Os leitores estrangeiros só passaram a se interessar pela poesia inglesa depois que Pope começou a escrever. Lembram daquela frase: - "Errar é humano, perdoar é divino!..." - É dele. E serve como indício de sua notoriedade.
Mas que ninguém pense que a glória veio fácil. Até se tornar o grande poeta do seu tempo, Alexander Pope teve que superar percalços absurdos, que eram uma fonte de renovados dissabores. A princípio, como inglês e católico devoto, ele foi alvo dos rancores que seus conterrâneos, de maioria anglicana, nutriam por aquela confissão. Com efeito, sem encontrar escola que quisesse alfabetizá-lo, teve que torna-se autodidata. Depois, aos 16 anos, ele contraiu uma turbeculose que provocou-lhe um duplo entorse da coluna vertebral, deixando-o deformado como o personagem Ricardo III de Shakespeare, que era corcunda e anão. Com cerca de 1,30m de altura, atormentado por dores de cabeça e exaustão, Pope parecia o candidato mais improvável ao posto de grande poeta inglês do iluminismo europeu. Contudo, não pretendia ser outra coisa e, a despeito das limitações, sabia que tinha bastante talento e energia para ser o que quisesse. Assim, antes mesmo de se tornar adulto, ele já era (e ainda é) o mestre absoluto do verso em língua inglesa. Seu nome simbolizava o apogeu da tradição neoclássica, e era pronunciado mais como uma referência ou paradigma, do que como o nome de um escritor. A elegância, o vigor, o equilíbrio e a memorabilidade de sua poesia conferiram-lhe a força moral de que tanto precisava para suportar a doença, de modo que pôde criar uma arte que representa o triunfo do espírito humano sobre sua deficiência física.

Ótimo exemplo para quem sofre de auto-piedade.

Feliz é a inocente vestal
Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças;
Toda prece é ouvida,
Toda graça se alcança.


Trecho do poema de Alexander Pope, citado no filme
"Brilho Eterno de uma Mente sem lembraças".

domingo, 20 de maio de 2007

A Maravilhosa Fábrica de Livros


Por vezes, na história da literatura, surgem criaturas de uma fecundade extraordinária, forças da natureza, capazes de criar obras-prima em série, sem todavia esgotar sua absurda criatividade. Uma dessas criaturas foi Honoré de Balzac, que nasceu no dia 20 de maio 1799, para ser a fábrica de livros ambulante que deu origem à monumental Comédia Humana.
Desde de pequeno, Balzac acalentava dois sonhos: ser rico e ser um gênio. Envergonhado de sua plebéia ascendência familiar, inventou um "de" para seu nome, com o propósito de tornar seu sangue aristocrático. Armado assim de nobreza, ingenuamente, ele pensava que todas as portas se lhe abririam. Mas é claro que não se abriram.
O começo foi bastante difícil. Quando decidiu trocar a recém inicada carreira de advogado pela literatura, foi despresado pelos pais e ridicularizado pelos amigos. Sentiu-se tão desamparado e só que quase desistiu. Mas foi então que dois encontros devolveram-lhe o ânimo: o primeiro com a obra de Sir Walter Scott (que seria seu modelo), o segundo com Laure Berny, a bela aristocráta, 22 anos mais velha, que primeiro reconheceu seu gênio, e de quem tounou-se amante. Depois ela se tornaria na linda Madame Mortsauf do romance "O Lírio dos Vales".
Balzac encontrava inspiração em tudo o que vivia, em todos os que conhecia, e de tal modo era capaz de vasculhar a alma alheia que nenhum sentimento, desejo, virtude, vício ou perversão era esquecido em seus textos. Talvez isso explique a fonte de sua lendária inventividade, bem como o sentido do título de sua obra - A Comédia Humana.
Entretanto, escrever uma novela constituída de mais de 90 volumes e centenas de personagens, não é tarefa fácil, nem mesmo para alguém dotado de uma imaginação monstruosa. Com efeito, tanto quanto Dickens e Flaubert, Balzac foi possuido e destruido pela literatura - que não consumiu sua imaginação, mas sua saúde. Sempre afundado em dívidas, escrevia em verdadeiro desvario, as vezes dormindo duas horas por noite, encharcando-se de café. Sujeito a alucinações auditivas e visuais, ele fez reviver a antiga associação entre genialidade e loucura.
Assim, aos 51 anos, exaurido, doente e longe da riqueza que desejava, Balzac se acabou e morreu. Todavia deixando a maior descrição que alguém já faz da alma do homem.

Pedagogia do Oprimido




sexta-feira, 18 de maio de 2007

M.O.R.R.A.M

Engana-se redondamente quem pensa que Paulo Coelho, o mais rico, famoso e desacraditado (???) escritor brasileiro, foi fazer ponta na novela das seis por carência de atenção. Muito pelo contrário, seu intuito era atrair a atenção dos espectadores para a trama da estreante folhetinista Elizabeth Jhin, de quem é amigo íntimo. E, como ele estava sem tempo para vir gravar no Brasil, a Globo teve que levar toda a equipe de produção até Odense, na Dinamarca, onde Coelho tinha ido receber o "Prêmio Hans Christian Andersen", a mais importante condecoração literária dinamarquesa.
De quebra, durante as gravações, o supertopstar das letras ficou sabendo que havia entrado para a edição do "Guiness Book 2007" como o escritor mais traduzido da atualidade. Ainda como se não bastasse, finda a gravação, ele deu um pulinho em Paris, para fazer o lançamaneto do livro "A Bruxa de Portobelo" numa das livrarias mais chiques da Champs Élyssés - que pra variar ficou repleta de gente - caos e trânsito congestionado como não se via desde o último Harry Porter.
E como inveja pouca é bobagem, nesse fim de semana, para desespero dos intelectuais de nariz em pé, a renomada jornalista, crítica e poeta americana, Dana Goodyear, publicou um lisonjeirérrimo perfil biográfico de oito páginas, sobre o autor, na revista “New Yorker”. A chamada é provocante: “Cem milhões de leitores podem estar errados?”

Não sei. Só sei que eu queria um terço desses cem milhões de leitores.


Vocês repararam no negrito? Perceberam que tá tudo no mesmo post? Então... Agora dá licença que eu vou ali canto chorar e vomitar!

terça-feira, 15 de maio de 2007


Quando a sombra da morte me alcançar

E o feixe dos meus dias for atado

Chamar-vos-ei e levar-me-eis, amigos,

A minha sepultura! E quando já

Me tenha eu transformado em pó na terra,

Modelareis com minhas cinzas um vaso

Que enchereis de vinho. Então talvez

Despertarei de novo para a vida.
Omar Khayyam

O Vinho do Cético


O poeta mais renomado da Pérsia chamava-se Ghiyáthuddin Abulfath Omar bin Ibráhim Al-Khayyami, ou simplesmente Omar Khayyam. Sábio, cético, blasfemo, bêbado e apaixonado, Khayyam nasceu no dia 15 de maio de 1040, em Nishapur, para ser a glória e o escândalo da poesia islâmica. Seu nome significa fabricante de tendas - alusão à memória do pai que exercia este simples ofício, e que ele também exerceu, até o dia que decidiu escrever os poemas magníficos que transporiam o tempo e as distâncias para torná-lo célebre.
Além de poeta, Omar Khayyam foi matemático e astrônomo do Observatório de Merv, onde elaborou a reforma do calendário mulçumano. Dos seu livros de ciência chegaram até nós o Tratado de Algumas Dificuldades das Definições de Euclides e as Demonstrações dos problemas de Álgebra, traduzidos no ocidente por Woepke. Mas o que nos interessa mesmo é o seu canto: um canto desencantado, triste e zombeteiro, mas infinitamente sublime. Um canto que ele compôs matematicamente por meio de epigramas ou quadras, que em persas chama-se rubay, daí o nome Rubaiyat, que serve de título a sua coletânea poética.
A filosofia que impregna essas quadras, ou rubaiyat, caracteriza-se pelo ceticismo hendonista que parece ser um eco remoto do grego Epícuro, que depois ressoaria no desassossego literário de Fernando Pessoa, Walt Whitmam, Borges e Manuel Bandeira. A propósito, é de Bandeira a melhor tradução realizada no Brasil, e cuja vertente não foi o original persa, mas a tradução francesa de Franz Toussaint, que dizem ser a mais fiel.
Ao ler Khayyam logo reparamos na sobriedade do vocabulário, na simplicidade da construção e do fraseado. É como um cuidadoso cálculo literário, uma expressão algébrica poética, que resulta de um modo de ver, de pensar e dizer que tudo é mistério nessa vida, que nada sabemos, e que só nos resta ser humildes e aproveitar o momento. Um homem erudito e sofisticado, que sabe da assombrosa trajetória dos astros, da pureza da rigorosa geometria e da elegante álgebra, que percebe a inconseqüente soberba dos homens sábios (e a dos outros) e caminha entre rosas, tulipas, lindas mulheres e finos vinhos, dizendo carpe diem, pois o tempo é ligeiro e a vida é breve.
Em sua tradução, Bandeira diz: "tendo a fortuna de apresentar-vos as uvas deliciosas que o Sr. Franz Toussaint sabiamente colheu no mais melancólico jardim da Pérsia, admiro sobretudo que ele tenha preservado a sua cor e o seu perfume, a despeito dessa longa, perigosa viagem!..." E eu digo, aproveitem o momento e provem desse vinho cético que faz bem a alma afastando a soberba, e que, assim como o Shiraz, jamais voltou a ser produzido na Pérsia islâmica.

Separados na maternidade


domingo, 13 de maio de 2007

O rosto da exclusão

Se a exclusão precisasse de rosto e nome, poderia fazer bom uso do escritor Lima Barreto (aí ao lado), que entre outras coisas foi o homem mais desrespeitado da literatura brasileira. Preto e pobre, Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no dia 13 de maio de 1881, para ser o grande sucessor, ou simplesmente o continuador de Machado de Assis - se assim tivessem deixado. Pertencente a linhagem dos romancistas urbanos, Lima, assim como seu antecessor, era o cronista dos ambientes e costumes cariocas. Tinha o mesmo pessimismo e humor, a mesma finura psicológica; a mesma categoria de personagens: o burocrata, o amanuense, o funcionário público; a mesma amargura, a mesma revolta, o mesmo desencanto. Porém, nele, esses aspectos negativos tomavam dimensões polêmicas, que por vezes desequilibravam o efeito estético. Efeito que em Machado de Assis era constante.
Mas isso se explica: Lima Barreto, ao contrário de Machado, era mais ressentido do que cínico, e jamais se conformou com os abusos e dissabores vividos em decorrência de sua cor. Ainda menino, ele viu e sentiu o sofrimento de perto, quando perdeu a mãe e foi enjeitado pelo pai. Morou de favor, passou fome, foi explorado, abusado sexualmente, reprovado injustamente por professores, maltratado pela polícia, constantemente injuriado e perseguido (por sua cor), de modo que no decorrer de toda sua curta vida, teve que conviver com uma rejeição que se manifestou em tudo e em todos, até na literatura, da qual ele esperava pelo menos um pingo de consideração. Inteligente e autodidata, fez-se intectualmente as próprias custas. Queria ser advogado, todavia não permitiram, acabou como soldado de polícia. Depois tentou o jornalismo, onde obteve um pequeno espaço, e então revelou-se talentoso escritor, um dos melhores. Entretanto, quando pensou ter enfim encontrado sua tábua de salvação, deparou-se novamente com a terrível cara da exclusão. Já no primeiro romance, Lima tornou-se o objeto de escárnio e zombaria da racista crítica literária de sua época, que não o considerava escritor bastante para merecer colunas literárias nos jornais cariocas, e tampouco menções honrosas por parte da Revista da Academia Brasileira de Letras, veículo oficial da intelectualidade. Em torno dele criou-se um escudo de silêncio, que só era rompido pelas acusações de vulgaridade e baixeza. Ingênuo, ou talvez irônico, ele atribuía a opinião da crítica às imperfeições de sua letra quase ilegível. Mas o fato é que Lima Barreto pouco tinha a oferecer a esse tipo de crítica e, consciente de sua marginalidade literária e social, nunca esmoreceu em combate ou tornou-se agregado deste ou daquele grupo literário, com vistas a uma aceitação por parte da crítica e, por extensão, do público. Era orgulhoso. Não obstante, sofreu com a rejeição. Escreveu 11 livros e, apesar do inegável talento, foi sempre despresado. E como sabemos o despreso é um adversário impiedoso.
Cansado, vencido, deprimido, Lima Barreto enloqueceu e afundou no álcool. E, em plena Semana de Arte Moderna, morreu como havia vivido, só e esquecido.

Tudo sobre Harry Porter


Triste pelo fim da trajetória do seu poderoso bruxinho, a escritora igualmente poderosa, J. K. Rowling, pretende lançar uma espécie de guia enciclopédico sobre o mundo mágico de Potter, escrito a partir das notas e apontamentos que utilizou durante os últimos dez anos. A obra tratará das figuras históricas, como os fundadores da escola de magia de Hogwarts, assim como das árvores genealógicas dos principais personagens (o próprio Harry, Hermione, Dumbledore e Voldemort). Dizem que as notas são tão detalhadas quanto as usadas pelo escritor J.R.R. Tolkien (1892-1973) para criar a Terra-Média, o mundo fantástico da famosa trilogia de "O Senhor dos Anéis". As vendas de uma enciclopédia autorizada de Harry Potter poderiam inclusive concorrer com o sétimo livro da saga, que já tem 1,5 milhão de exemplares vendidos antecipadamente no site da loja virtual Amazon. Os especialistas prevêem que a última aventura do mago quebrará recordes no setor editorial quando for colocada à venda, em 21 de julho.

Contando ninguém acredita...




terça-feira, 8 de maio de 2007

A Greta Garbo da Literatura

A fotografia ao lado está péssima, eu sei, mas é uma das poucas disponíveis que retratam a personaidade literária mais obscura da atualidade. Thomas Ruggles Pynchon Jr. está hoje completando 70 anos de vidas, mas a última vez que foi visto, ou melhor, fotografado, estava assim, com 18 anos, quando ainda era aluno de Nabokov.
Não, ele não foi abdusido. Thomas Pynchon é apenas radicalmente tímido, tão tímido que jamais concedeu entrevistas, ninguém sabe seu endereço e nem mesmo seus editores o conhecem pessoalmente. Digamos que ele sofre da síndrome de Greta Garbo. Sei que parece uma jogada publicitária e, se for, é muito bem feita: desde a sua estréia, Pynchon é o sumo-pontífice da sociedade secreta chamada Partido do Silêncio, da qual fazem parte J.D. Salinger, Glenn Gould, Stanley Kubrick e os brasileiros Rubem Fonseca e Raduan Nassar - artistas que sempre acreditaram que sua obra deveria falar por si mesma, sem os procedimentos de uma publicidade excessiva!... Oscar Wilde, Hemingway e Paulo Coelho certamente não pensam assim.
Mas o que diferencia Pynchon dos demais reclusos é que ele inaugurou esse Partido do Silêncio, e o seu sucesso deve-se justamente ao seu mistério, à lacuna que existe entre o homem que criou um código para ser decifrado pelos leitores e o que está por trás das palavras deste código. E quando digo código não estou fazendo uso de uma figura de linguagem. Pynchon é o criador de uma realidade muito particular que se reflete nas sombras do cognoscível, mais precisamente na ordem e desordem da História. Uma realidade paranóica que só encontraria expressão num estilo narrativo pós-joyceano, quase absurdo, que gerou romances grandes, monumentais, difíceis, exigentes, mas extremamente recompensadores após o final da leitura. A narrativa de Pynchon é uma alucinação dentro de uma alucinação, repleto de cineatas sodomitas, cientistas atrapalhados, planos mirabolante, soldados bêbados e putas venenosas; uma literatura onde se mistura física, matemática, química, filosofia, parapsicologia, história, mitologia, ocultismo, música pop, quadrinhos, pentocostalismo, cinema, drogas e psicologia, unindo-os de maneira picaresca, humorística, absurda, poética e sombria. A paranóia é a marca registrada da literatura norte-americana, e um dos motivos de sua vitória é a força da obra de Pynchon, cujo livro principal é “O Arco-Íris da Gravidade”, um monstro pedante de 800 páginas e 5000 personagens!... Absolutamente dispensável, mas imprecindível para quem gosta de desafios. Não obstante, seu maior sucesso é o "Leilão do Lote 49", livro que foi incluído no canône literário inglês como uma de suas obra capitais, e que é uma delícia de se ler, engraçadíssimo, profundo e curtinho, e que pode ser uma iniciação à literatura esquisita desse esquisitão que é, simplesmente, o maior escritor americano vivo.
O recluso escritor Thomas Pynchon sendo satirizado num dos episódios dos Simpsons.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Psiu!

Nietzsche, com a ironia que lhe era peculiar, costumava dizer que é difícil o convívio entre os homens, porque é difícil o silêncio. Décadas após essa afirmação constatamos que o aforismo permanece certeiro, talvez até revelador, mesmo que se diga o contrário. Nesta nova Idade das trevas - império da agitação, da pressa e de um barulho absurdo (do qual o limite é a surdez) - o silêncio acabou por tornar-se um bem raro, um artigo de luxo, cuja preciosidade e escassez resultou na criação de uma data comemorativa: o Dia do Silêncio!... Que, aliás, é hoje, 07 de maio!


O silêncio tem sido o grande desafio e tormento dos bibliotecários contemporâneos que, não raro, têm encontrado dificuldades em manter um ambiente de tranquilidade para a leitura e o estudo - especialmente o estudo em grupo. Nessas circunstâncias permite-se a discussão, contanto que seja num tom de voz adequado, isto é, moderado. Todavia, há o fato de que os bárbaros invasores desconhecem o conceito de moderação. Volto aqui a empregar o termo bárbaro referindo-me não apenas aos leitores mal-educados, mas a certos grupos de bibliotecários inovadores, para quem o silêncio não é só desnecessário, mas até indevido, impróprio, inconveniente, ilícito, errado, ilegítimo, censarável, injusto e abusivo! Desde que Edson Nery da Fonseca, o mais respeitado bibliotecário brasileiro, defendeu a idéia de que as bibliotecas devem ser agitadas como shopping-centers, tem crescido o número de bibliotecários que pregam a extinção do psiu. Outro dia um desses bárbaros escreveu um artigo, tão eloqüente quanto radical, onde comparava bibliotecas com cemitérios e seus frequentadores com zumbis. E numa denúncia da suposta ditadura do silêncio, clamava por um revolução bibliotecária que provocasse a plena quebra de padrões obsoletos!... Sim, o silêncio também está obsoleto!
Conforme o revolucionário, a biblioteca é um lugar para ruidosos bate-papos, divagações, digressões, discursos e discussões. Lugar onde se resolve e cria-se conflitos, um centro de crítica e dialética, destinado a subversão e total liberdade de expressão!... Noutros termos, o silêncio deveria dar lugar a zoada retórica e despropositada que ecoa no discurso desse eloqüente agitador.
Mas o fato é que a Biblioteca não é a bolsa de valores, nem coreto, nem púlpito e tampouco plenário. Sua função histórica é coletar e preservar a herença intelectual humana, e oferecê-la à análise e a uma profunda meditação, de modo que suscite novas idéias, críticas e descobertas. E esta função tem sido muito bem desempenhada em silêncio. As grandes criações do espírito humano, das quais a biblioteca é testemunha e guardiã, não foram produzida em meio a tumultos e gritarias. O conflito é um efeito do pensamento livre, mas não seu meio. E o lugar mais adequado para seu exercício é a escola, a sala de aula, não as salas de leitura. Numa epóca em que se confunde liberdade de expressão com confusão e barulho, não é de se admirar que vejam no silêncio e na ordem uma forma arcaica de repressão. E creio que essa data comemorativa talvez seja um esforço sutil de evitar o fim de mais um aspecto de nossa rarefeita civilidade.

domingo, 6 de maio de 2007

Separados na maternidade


Stanley Kubrick & Salman Rushdie

sábado, 5 de maio de 2007


Gênios são como uma tempestade de raios: investem contra o vento, aterrorizam as pessoas e limpam o ar!


Kierkegaard

O Apóstolo do Existencialismo

Hoje, dia 05 de maio, a Dinamarca celebra a memória de Sören Kierkegaard, o homem que desejou ardentemente ser apóstolo de Cristo, e não apenas um gênio literário. Todavia, apesar de sua intensas aspirações espirituais, ele foi só um gênio literário. Só!
Os leitores apenas lembram ou pensam em Kierkegaard como o autor de "Repetição", "O Diário de um Sedutor", "O Desespero Humano" e outras obras extraordinárias em que predominam a ironia e uma profunda reflexão sobre a existência, repetição, sofrimento e sedução. Em seus textos é a grandeza estética que primeiro nos atrai, a fé é apenas coadjuvante. No entanto, ele foi um dos mais veementes críticos que o cristianismo já teve, e o mais profundo intérprete da experiência religiosa desde Santo Agostinho.
Filho da empregada, caçula de 7 irmãos, ele cresceu no ambiente rigoroso e frio de uma fervorosa e ascética família luterana. Sua infância, assim como toda a sua vida, foi tediosa e sem grandes acontecimentos, a não ser a literatura. Quando adolescente, apaixonou-se por uma garota de 14 anos, da qual conseguiu ficar noivo - mas não casou porque tinha medo de não poder corresponder à fogosidade da moça!... Depois disso tornou-se celibatário, entrou para a universidade e - como os santos Anselmo, Boaventura e Tomás de Aquino fizeram com o catolicismo - ele começou a estudar a teologia protestante no intuito de elevá-la à condição de filosofia aplicada. Não conseguiu. Contudo, do conjunto de suas reflexões surgiu o Existencialismo.
As questões existenciais impregnam toda a obra literária de Kierkegaard, assim como a de todos os escritores que o sucederam - mesmo os ateus - pois seu pensamento repercutiu com efeitos diversos. Após três gerações de esquecimento, ele foi redescoberto no começo do século XX, quando sua voz ecoou fortemente nas obras de Ibsen, Kafka, Mann, Heidegger, Jasper, Sartre e do teólogo Carl Barth.
Na adolescência, o brilhante seminarista Joseph Ratzinger, hoje o Papa Bento XVI, escreveu uma breve monografia onde dizia que Kierkegaard não foi apenas o principal intelectual protestante, mas também o profeta tardio que anteviu o desespero e vazio existencial que assolaria o homem ocidental pós-moderno. "Ler Kierkegaard, disse o jovem Bento XVI, é uma verdadeira aventura transcendental".

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Piada de bibliotecária loira...


Na biblioteca,
o assaltante:

- A bolsa ou a vida!...

A bibliotecária:

- Qual é o autor?


Ele queria ser um livro!

Nomes condicionam destinos, diz o provérbio latino (Est omen in nomen), e isto é particularmente verdadeiro no caso do mais conhecido escritor israelense da atualidade, Amós Oz, que hoje completa 67 anos de vida. O prenome evoca o profeta bíblico que, à época do rei hebreu Jeroboão III (período de conquistas territoriais e de concentração da riqueza), corajosamente denunciou a hipocrisia dos poderosos e a opressão que pesava sobre os mais fracos. Oz, por sua vez, sobrenome adotado pelo escritor, quer dizer coragem. A coragem do profeta anima o escritor, que, sem ser um pacifista ingênuo, é um defensor da causa pela paz entre judeus e palestinos. Nascido em Jerusalém, nos anos que antecederam a formação do estado de Israel, Amos Oz, ainda menino, decidiu que seria um livro. Não escritor: livro.
Ainda à sombra do holocausto na Europa, sua família e seus vizinhos em Jerusalém viviam em estado de permanente apreensão: e se os britânicos expulsarem os judeus da Palestina? E se os árabes atacarem? O garoto imaginava que um livro teria mais possibilidades de enfrentar esses reveses. Mesmo que uma obra fosse proibida ou queimada, sempre haveria a chance de um exemplar sobreviver numa biblioteca escondida. Agora aos 67 anos, Oz de certa forma realizou o sonho infantil, e tornou-se não apenas um, mas 25 livros belíssimos, que já foram traduzidos em vários idiomas. No Brasil a Companhia das Letras publicou dele "Conhecer Uma Mulher", "A Caixa Preta", "Fima", "Não Diga Noite", "Pantera no Porão", "O Mesmo Mar" e "Meu Michel". Em 2004 recebeu o importante Prêmio Goethe, da cidade de Frankfurt, reconhecimento de "impressionante senso de responsabilidade moral". Coisa que falta a muita gente hoje em dia.
Como escritor consagrado, Oz não rompeu com a tradição intelectual da família. Mas contrariou o nacionalismo fervoroso dos Klausner para se tornar uma voz moderada em meio à exaltação política e religiosa do Oriente Médio. Ele prega que só haverá paz em Israel quando o território for dividido em dois Estados independentes, um israelense, o outro palestino. "Meu pai provavelmente diria que eu sou um traidor", admite. Otimista, ele arrisca até uma profecia (palavra que ele, é claro, usa de forma jocosa): "Um dia, a Palestina terá uma embaixada em Israel, e Israel terá uma embaixada na Palestina. E será possível ir de um prédio a outro a pé, pois eles estarão na mesma cidade: Jerusalém".

Que assim seja!

Uma pequena cortesia...


...do Sr. Goethe!!!

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Blindness


O último 007, Daniel Craig, e a atriz americana Julianne Moore (As Horas) serão os protagonistas da adaptação para o cinema do romance "Ensaio sobre a Cegueira", do escritor português José Saramago, sob a direção do brasileiro Fernando Meirelles, noticiou nesta quarta-feira a revista Variety. Segundo a revsita, Saramago vendeu os direitos à produtora canadense Rhombus Media, que se associará à inglesa Potboiler Productions e a empresas do Brasil e do Japão. O filme se intitulará "Blindness" (Cegueira). O cineasta brasileiro, autor de "Cidade de Deus" e "O Jardineiro Fiel", foi contratado para dirigir o filme pela produtora Potboiler Productions, enquanto a direção fotográfica ficará a cargo do uruguaio César Charlone, indicado ao Oscar de melhor fotografia por "Cidade de Deus". O roteiro ficará a cargo dos canadenses e será escrito por Don McKellar com supervisão de Saramago, prêmio Nobel de Literatura em 1998. O filme, que será rodado em São Paulo, em Toronto e no Uruguai, terá orçamento de U$ 20 milhões. Craig fará o papel de um médico que acompanha uma inexplicável epidemia de cegueira e Julianne Moore será sua mulher, acrescentou a revista.

quarta-feira, 2 de maio de 2007



"A poesia é o autêntico real absoluto. Isto é, o cerne da minha filosofia. Quanto mais poético, mais verdadeiro."


Novalis

Mais do que um Emo!

Friedrich von Hardenberg, mais conhecido por seu pseudônimo literário, Novalis, foi um dos principais representantes do romantismo germânico de fins do século dezoito. Nasceu no dia 02 de maio de 1772, em Oberwiederstedt, num pequenino feudo herdado de seus ancestrais no norte da Alemanha. Dizem que quando pequeno nada falava e apenas observava o mundo ao seu redor. Só após uma grave doença, que na infância o prendeu na cama durante vários meses, Novalis demonstrou seu temperamento - uma grande sensibilidade religiosa e poética, singulares numa criança.
Depois disso, na adolescência tornou-se adepto do círculo dos Sturm und Dranger, onde conheceu Goethe e Schiller. Sua obra poética tem a particularidade de ser inseparável de sua experiência existencial, bem como de seus estudos religiosos e filosóficos. Sua obra-prima, os Hinos para a Noite, por exemplo, foram compostos após a morte precoce de sua namorada, Sophie von Kühn, em março de 1797. Em desespero, junto ao túmulo de Sophie, Friedrich teve um momento de iluminação espiritual e "renasceu" para uma nova vida e uma nova percepção do mundo, expressa em sua obra poética!... E que obra poética, ouçamos:

Temos olhos que a noite abriu em nosso interior, mais divinos que estrelas brilhantes. Sua visão alcança além dos incontáveis hóspedes mais pálidos da noite. Sem auxílio da luz eles penetram as profundezas que abrangem as regiões elevadas com inefável delícia.

A Noite a que o poeta se refere nestes hinos é a imaginação, ou melhor, a intuição humana. E quando ele diz que vê sem auxílio da luz, está aludindo ao saber do Iluminismo, que lele desprezava por elevar a "razão" em detretimento da "imaginação". Na poesia de Novalis a afirmação da imaginação romântica, de uma felicidade existente mais além (distinta dos prazeres terrenos), e de uma celebração da morte, contribuíram para forjar o estereotipo do poeta desligado do mundo, perdido em devaneios de desolação e que morre após a perda da amada à qual jurou amor eterno (ele morreu dois anos depois).
Desse ponto de vista, hoje poderíamos dizer que Novalis era um jovem emo - mas sem franjinha e sem all-star, como diria a Badá!... Estereopitos à parte, eu duvido que algum desses jovens melancólicos de boutique tenha de algum modo conhecido e sentido a tristeza que o grande poeta alemão cantou. Novalis fez da tristeza um poema eterno e não uma forma de se vestir (ainda que a roupa constitua uma forma de expressão!). Junto a Dante, - e por extensão a Ossian, Shakespeare, Milton, Homero, Petrarca etc - Novalis foi erguido ao panteão sublime dos heróis míticos do romantismo. Goethe, ao exaltar o amigo, torna a si próprio e aos Sturm und Dranger - que partilharam de sua presença e se irmanaram a Novalis - heróis em potencial, situando, modestamente, alguns pontos de referência fundamentais para o entendimento futuro acerca do romantismo - do qual, talvez, possa ter surgido o conceito de emo.

Num lugar perto da minha casa...


Não, eu não moro perto do fim do mundo... Mas, daqui da pra ver!!!

terça-feira, 1 de maio de 2007

O Exagerado

Essa certamente não é a palavra que melhor define o primeiro grande romancista brasileiro, mas é a que sempre me vem à cabeça quando ouço o nome dele. O cearense José de Alencar - cuja data de nascimento coincide com o dia do trabalhador, ou seja, 1º de maio - foi o escritor que mais trabalhou para dar a nossa literatura um sotaque próprio, nativo, seu. E conseguiu, embora tenha pago caro. É com ele que surge a literatura brasileira propriamente dita, povoada por índios, sertanejos, capoeiras, gaúchos, e claro, a gente das cidades. E é a partir dele que tem início a linhagem dos grandes escritores telúricos do Brasil, isto é, aqueles que vinculam bem de perto suas narrativas à terra, ao espaço, à paisagem - como Euclides da Cunha, Rachel de Queiroz (sua parenta distante), Graciliano Ramos, Mário de Andrade e João Guimarães Rosa.
E não é exagero chama-lo de exagerado, pois nele, de fato, tudo é exagero. Coisa que nem sempre é um defeito. Franz Kafka já afirmara: “quem exagera, super-vê”. Na lógica de Kafka e Alencar, a literatura é como um microscópio psicológico (quando se debruça sobre a personalidade de um personagem), ou ainda como um telescópio social (quando procura mostrar um panorama do seu tempo). Muita gente faz piada dos escritores românticos, pelo excesso de tinta que usavam. Mas foi justamente dessa tinta que surgiu o realismo mágico de nossa época. Quem não se lembra da cena final de O Guarani: o índio Peri e a jovem Ceci fogem da inundação do rio Paquequer, subindo ao topo de uma palmeira. No entanto, a água os alcança, (o que já sugere um dilúvio universal). Peri apóia-se nos cipós de outras árvores (o que não faz muito sentido, porque eles haviam subido na árvore mais alta) para, com força de Hércules e mesmo contra leis elementares da Física, contra a pressão inversa da massa de água, arrancar, com seus braços, a palmeira cravada na terra que ele usa como um barco salvar a sua amada Ceci da enchente. Mais Gabriel Garcia Márquez impossível! À falta de Clark Kent, Peri talvez seja nosso maior super-herói – é uma pena que não tenhamos um Steven Spielberg (bem como os seus recursos técnicos e financeiros) para transformar O Guarani, de José de Alencar, em um grandioso filme de aventuras, cheio de efeitos especiais (O Guarani já foi filmado, desde 1916, algumas vezes, mas nem de longe com o mesmo sucesso da versão original em livro). A alusão ao cinema não é gratuita. Alencar filmava com as palavras, construindo sucessivos zooms e panorâmicos travellings. Por isso, lê-lo no século XXI, pode ser um “prazer inenarrável”, como diriam os românticos exagerados, porque mais do que qualquer outro romancista brasileiro ele nos oferece uma fantástica viagem no tempo. Machado de Assis, por exemplo, é e sempre será atual, enquanto Alencar, com seu texto datado, mostra que somos parte de uma história de longa duração, que somos parte de uma cultura bem mais antiga do que nós ou nossos avós, que somos parte, no final das contas, da espécie humana. Dessa mesma espécie que não sabe quem é, de onde veio, para onde vai, ou que raios está fazendo aqui – por isso, inventa as respostas, criando personagens inverossímeis e enredos fabulosos. Pois como ele mesmo dizia, não há nada mais inverossímil do que a própria verdade.