terça-feira, 15 de maio de 2007

O Vinho do Cético


O poeta mais renomado da Pérsia chamava-se Ghiyáthuddin Abulfath Omar bin Ibráhim Al-Khayyami, ou simplesmente Omar Khayyam. Sábio, cético, blasfemo, bêbado e apaixonado, Khayyam nasceu no dia 15 de maio de 1040, em Nishapur, para ser a glória e o escândalo da poesia islâmica. Seu nome significa fabricante de tendas - alusão à memória do pai que exercia este simples ofício, e que ele também exerceu, até o dia que decidiu escrever os poemas magníficos que transporiam o tempo e as distâncias para torná-lo célebre.
Além de poeta, Omar Khayyam foi matemático e astrônomo do Observatório de Merv, onde elaborou a reforma do calendário mulçumano. Dos seu livros de ciência chegaram até nós o Tratado de Algumas Dificuldades das Definições de Euclides e as Demonstrações dos problemas de Álgebra, traduzidos no ocidente por Woepke. Mas o que nos interessa mesmo é o seu canto: um canto desencantado, triste e zombeteiro, mas infinitamente sublime. Um canto que ele compôs matematicamente por meio de epigramas ou quadras, que em persas chama-se rubay, daí o nome Rubaiyat, que serve de título a sua coletânea poética.
A filosofia que impregna essas quadras, ou rubaiyat, caracteriza-se pelo ceticismo hendonista que parece ser um eco remoto do grego Epícuro, que depois ressoaria no desassossego literário de Fernando Pessoa, Walt Whitmam, Borges e Manuel Bandeira. A propósito, é de Bandeira a melhor tradução realizada no Brasil, e cuja vertente não foi o original persa, mas a tradução francesa de Franz Toussaint, que dizem ser a mais fiel.
Ao ler Khayyam logo reparamos na sobriedade do vocabulário, na simplicidade da construção e do fraseado. É como um cuidadoso cálculo literário, uma expressão algébrica poética, que resulta de um modo de ver, de pensar e dizer que tudo é mistério nessa vida, que nada sabemos, e que só nos resta ser humildes e aproveitar o momento. Um homem erudito e sofisticado, que sabe da assombrosa trajetória dos astros, da pureza da rigorosa geometria e da elegante álgebra, que percebe a inconseqüente soberba dos homens sábios (e a dos outros) e caminha entre rosas, tulipas, lindas mulheres e finos vinhos, dizendo carpe diem, pois o tempo é ligeiro e a vida é breve.
Em sua tradução, Bandeira diz: "tendo a fortuna de apresentar-vos as uvas deliciosas que o Sr. Franz Toussaint sabiamente colheu no mais melancólico jardim da Pérsia, admiro sobretudo que ele tenha preservado a sua cor e o seu perfume, a despeito dessa longa, perigosa viagem!..." E eu digo, aproveitem o momento e provem desse vinho cético que faz bem a alma afastando a soberba, e que, assim como o Shiraz, jamais voltou a ser produzido na Pérsia islâmica.

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