domingo, 21 de junho de 2009

E aí eu acordo, e... tá 17 GRAU!!!


"O Inverno é um vovozinho trêmulo, com a boina enterrada até os olhos, a manta enrolada nos queixos e sempre resmungando: "Eu não passo deste agosto, eu não passo deste agosto..."


Mário Quintana,

in Lili Inventa o Mundo.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Presença Real

Celebra-se hoje o mistério da presença. Aquele que tudo criou e tudo dispõe, pode ser contemplado numa diminuta partícula, fina e circular, que chega aos nossos sentidos, tão limitados em sua imanência, como um suplemento para a transcendência abosulta. A lógica deste mistério, só inteligível aos que creem, e também aos que leem, tem implicações não apenas metafísicas, mas também semânticas: Transubstanciar é traduzir!
A princípio, Deus estava inacessível à linguagem humana, à articulação conceitual ou a qualquer tipo de pensamento verbalizado. Sua presença era a presença rigorosamente inconcebível, inimaginável e impronunciável do Sinai: Não pronunciareis o meu nome!... Sua revelação era espinhosa como uma sarça, e ardente como uma tautologia: Eu sou Aquele que é!... Qualquer tentativa para caracterizá-lo, para representá-lo, para figurá-lo ou significá-lo, ainda que de forma análoga, era terminantemente proibida: Não farás para ti imagem!...
Mas quando chegou a plenitude dos tempos, o Verbo indizível de Deus se fez carne e veio habitar entre nós. Noutros termos, Ele próprio fez-se imagem, adquiriu figura humana, confirmando assim uma forma já prefigurada no Gênesis: Façamos o homem a nossa imagem, como nosso semelhante!.. Dessa vez Ele mesmo se fez homem, e então ficamos conhecendo não somente o seu nome, mas também a sua face. A misteriosa tautologia da sarça transubstanciou-se na luminosa ontologia do presépio. E a luz brilhou nas trevas!...
Sua presença era real, visível, pronunciável, sensível e até degustável. Sim, porque a grande teofania só estaria completa depois de outra transubstanciação. O verbo que virou carne, agora seria pão, pois assim dizia o 16° capítulo do Êxodo: Deu-lhes o pão do céu a comer!... Com efeito, o Verbo que veio habitar entre nós assim declarou: O pão do céu é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo!... Eu sou o pão da vida que desceu do céu!...
A encarnação do Verbo e a sua transubstanciação em pão constituem o grande mistério da Presença Real na eucaristia, que traduz a transdência absoluta do Criador para a imanência contingente da criatura. E, de forma absolutamente singular, essa concepção, como notou Pascal, foi o que impeliu o espírito humano a observar sua profundidade ontológica sob uma perspectiva iminentemente semântica.
Quando Shakespeare, por exemplo, descobre a imagem da "incorporação" (Na peça "Sonho de uma Noite de Verão") para descrever a presença genérica do conteúdo na forma e do sentido no ato, sua poesia estabelece uma analogia direta com a "presença real" da transubstanciação eucarística. Como nenhum outro acontecimento em nossa história espiritual, o postulado da kenosis de Deus por intermédio de Cristo e de sua ininterrupta presença na hóstia e no vinho sacramentais, condiciona, num nível bastante profundo, toda concepção estética.
Antes de Pascal e Shakespeare, São Tomás de Aquino já havia notado que graças à transubstanciação do supremo mistério da presença divina e de sua concreção numa forma exterior (a da eucaristia), o homem podia e devia imprimir um significado ao sensorial. Pois Deus, ao se revelar e participar de nossa condição física, concedeu-nos a dignidade de participarmos e revelarmos sua divindade. Com efeito, já não há interdição ao símbolo, e obsoletos são os anátemas do "Êxodo" e da "República" de Platão.
O ingenium do artista que concebe formas, o processo de imprimir significação à matéria bruta e o poder das artes e da literatura para produzirem imagens, transformam de fato a ficção numa figura veritatis, uma figuração da verdade. É essa semiótica do signo, essa materialidade do imaterial, consentida na encarnação do verbo e confirmada na transubstanciação da hóstia e do vinho, que reforça as singularidades da experiência estética com suas funções de verdade ficcional.
Toda criação verdadeiramente artística ou literária abriga uma "presença real". Como o Cristo na eucaristia, a persona engendrada por um escritor (ou pintor, ou escultor, ou compositor) pode ser perene e onipresente. Nenhuma temporalidade diminui as urgentes indecisões de Hamlet, o heroísmo patético de Dom Quixote ou o cinismo de Brás Cubas. O coelho de Alice no País das Maravilhas continua a correr atravessando os séculos. O autor às vezes é esquecido, mas a sua personagem pode sobreviver muito além da localidade e da língua em que foi criada, pois traduzir é transubstanciar. O grego de Homero e o aramaico dos evangelhistas já não é falado hoje, porém Aquíles e os convidados da Última Ceia continuam revigorando cada vez mais sua presença inextinguível.
Habitamos mundos de linguagem (como queria Heidegger) ou jogos de linguagem (como queria Wittgenstein) de um modo tão multifacetado e íntimo que nossa própria sensação de ser é, fundamentalmente, estética. É algo que se torna "sensível", nas condições mais abrangentes deste termo, por meio de uma transubstanciação. Ouvir uma música, admirar um quadro ou ler um livro é o mesmo que comungar: participamos de uma transcendência em tom menor. Não à toa, Oscar Wilde, depois de convertido, dizia que quando lemos realmente, quando a experiência é a descoberta do significado, agimos como se o texto (a peça de teatro ou uma escultura) encarnasse a presença real de um ente significante. Ser habitado pela música, pela arte, pela literatura, tornar-se capaz de reagir a tais hospedagens como anfitrião - ainda que inesperado - é ter a simples experiência eucarística.
Cada frase, verso, parágrafo, página, livro, pintura ou canção tem o efeito comunicador das partículas sacramentais, podendo expandir seu significado no tempo e no espaço a todos aqueles que seu autor não viu nem conheceu, simplesmente por não terem ainda nascido.
O agente épico, cêncio ou ficcional possuem uma vitalidade, uma densidade, isto é, uma presença tão real que supera, com frequência, a de qualquer ser vivo.
Portanto, só a articulação dos três campos semânticos em torno da sagrada eucaristia - o teológico, o filosófico e o poético - pode assumir a sua mais orgânica coesão. E fique dito, mas bem dito, que colocar isso em texto não representa nenhuma tentativa de proselitismo religioso ou de exercício filológico, por mais legítimos e férteis que sejam. Representa apenas uma oportunidade para medir com a maior precisão possível nossa distância de um centro perdido e a extensão das sombras projetadas por nosso atual crepúsculo laico - embora certamente tais sombras anunciem um dia novo, anunciem aquilo que Dante teria batizado de uma "Vita Nuova".

Palavras Cantadas

Adoro te devote, latens Deitas,

Quæ sub his figuris vere latitas;

Tibi se cor meum totum subjicit,

Quia te contemplans totum deficit.

Adoro-Te com amor, Divindade latente

Sob estas espécies deveras presente

Todo o meu coração está sujeito

Em tua contemplação desfeito

São Tomás de Aquino
Século XIII

domingo, 7 de junho de 2009

Miss Solidão


A solidão é a região mais agreste da poesia, e nenhum outro poeta, nem mesmo Emily Brönte, parece-nos tão desolada quanto a sua quase homônima, Emily Dickinson. A grande estrela da poesia americana depois de Walt Whitman, e uma das mais brilhantes da língua inglesa, temia a solidão como quem teme a cegueira, e teve com ambas encontros psicossomáticos.
Emily Dickinson era rica (como a maioria dos calvinistas tradicionais), casada com um juiz, mas apaixonada pela irmã deste - a quem dedicou alguns dos seus melhores poemas, como "Não posso viver com você" e "Renúncia é virtude cortante". Estes títulos já nos dão uma clara idéia do quanto se pode ser solitário mesmo estando acompanhado.
Contudo, a arte de Dickinson não se restringe a isso; na verdade o seu gênio é tão original, que chega a modificar o nosso entendimento quanto às possibilidades da poesia. Se é possivel a algum poeta reinventar o seu estilo a cada novo poema, é algo discutível. Mas se alguém foi capaz de fazê-lo, esse alguém foi Emily Dickinson. Pelo menos é a impressão que eu tenho.
Também é impossível lê-la sem ser confrontado por sua espiritualidade sumamente individualizada. Quem a lê percebe uma experiência cristã pouco convencional, que ela declinava de expressar aberta e conscientemente, limitando-se a dramatizá-la na poesia. No poema "Imperatriz do Calvário", por exemplo, Dickinson insinua haver sido desposada pelo Espírito Santo, uma alegoria mística tipicamente católica, que ela vai descobrir no quinto versículo do capítulo 62 de Isaías.
Diante de tais aspectos, depreende-se logo que convém conhecer nossos limites ao lermos a obra dessa mulher formidável, e ao tentarmos decifrar sua alma complexa e solitária. Eu não me atrevo a dizer muito, pois dos seus 1.789 poemas li apenas algumas dezenas. Não obstante, nestes poucos, deu para ouvir uma angustiada canção de vitória sobre desejos sublimados. Vale experimentar.
O esplendor de sua poesia resiste às traduções, mas se souber inglês leia no original, pois, apesar do esforço, seus tradutores sempre deixam escapar algo. Talvez isso seja consequência do uso excessivo de travessões que refletem um certo laconismo, sempre mais enigmático à medida que as palavras se justapõem.
Mas que ninguém hesite ou faça careta, é indubitável sua força poética. Quanto mais a lemos, mais ela nos expõe às suas epifinias verbais.


À noite, como deve se sentir solitário o vento

Quando todos apagam a luz

E cada um em seu aconchego

Fecha a janela e vai dormir


Pela manhã, como deve se sentir poderoso o vento

Ao se deter em mil auroras

Desposando cada uma, rejeitando todas

E recolhendo-se ao seu esguio templo, depois.



Emily Dickinson

sábado, 6 de junho de 2009


Um blog sobre literatura, línguas estranhas e a ligeira absurdidade do mundo real!!!

Depois de quase um ano fora de órbita, eis que...

Volvo, num razantem, a q'esto admirabille mundo nuewo, e constactu qui gà näun recognesco mi loqui, qui gà não ç'ei iscreber a grammàthica che, per circa de trynta anños, luttei para domminar. He comu ssi nüm p'zzadelo "joyceano", una stranhga çïndrome de "Finnegans Wake" ouveçe akomettidu os lequissógraphos... Synistrus, assaz synistrus!!!
Pero, rogu qui me perdonneis pelus danos qui l venga á faser á grammàthica, por'ke istou phalando num loqui que gà näum eh u meo, y qui, comu o perssebereis in puecos instant's, quizá näum c'eja tampueco o vostru.”