sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Quatro retratos, quatro polêmicas...

O fato de Mario de Andrade possuir em sua coleção de artes visuais 40 retratos seus, produzidos por artistas de variadas escolas, estilos e técnicas, mostra o interesse do escritor no retrato, não como gênero de pintura, mas como instrumento para conhecer as várias interpretações que os artistas, a maioria seus amigos, reservavam nos traços, pinceladas e composições de seu próprio rosto.Assinam seus retratos artistas como Portinari, Anita Malfati e Tarsila do Amaral - que o teriam pintado na mesma oportunidade -, Lasar Segall, Di Cavalcanti e Victor Morelli, além de outros desenhistas e caricaturistas.
Por meio de numerosas cartas aos amigos Manuel Bandeira e Henriqueta Lisboa, Mario de Andrade não deixou de registrar suas opiniões sobre cada um desses trabalhos, particularmente dos que mais o impressionaram, estabelecendo, às vezes, um diálogo poético com os próprios artistas, valorizando a expressividade e a interpretação de cada um deles. Não deixou, entretanto, de questionar os que não corresponderam as suas expectativas. Para ele, suas características pessoais - algumas bem particulares como a questão da sua sexualidade - estavam sendo interpretadas nas representações e esse fato bastava para que o resultado da obra fosse ou não aceito por ele.
De todas as representações, o trabalho de Segall (acima), foi o mais polêmico pois despertou em Mario de Andrade sentimentos contraditórios de aceitação e rejeição ao mesmo tempo. Para ele, Portinari (na pintura abaixo) havia pintado as suas melhores qualidades e Segall, as piores. Suas críticas foram duras, às vezes cruéis, revelando facetas pouco conhecidas de seu pensamento.

Sobre os trabalhos de Segall e Portinari, Mario de Andrade escreveria em 11 de julho de 1941 à sua amiga Henriquetta Lisboa: “(...) O Portinari quando se propôs fazer meu retrato já me queria muito bem e éramos já muito bons camaradas. E além disso ele tinha por mim um especial e muito agradecido carinho.(...) E foi nesse estado iluminado de amor que ele fez o meu retrato que...eu fiz ele fazer de mim: só bom“. “Como os retratos dele (Portinari) e do Segall me completam... quase chego a me envergonhar.(...) O retrato feito pelo Segall foi ele mesmo sozinho que fez. Não creio que o Segall, russo como é, seja capaz de ter amigos. Pelo menos no meu conceito de amizade, uma gratuidade de eleição, iluminada, sem sequer pedir correspondência. Éramos bons camaradas e apenas. Como bom russo complexo e bom judeu místico ele pegou o que havia de perverso em mim, de pervertido, de mau, de feiamente sensual. A parte do Diabo. Ao passo que o Portinari só conheceu a parte do Anjo. Às vezes chego a detestar (me detestar) o quadro que Segall fez.
Anita fez vários retratos do escritor paulista, (uns vinte, segundo Mario de Andrade em sua carta à Henriqueta), mas, em 1922, ela e Tarsila pintaram juntas os retratos do amigo escritor, presenteando-o pelo seu aniversário em 9 de outubro do mesmo ano, segundo informações de Marta Rosseti, autora do livro "Anita Malfati – no Tempo e no Espaço". O resultado desse trabalho exemplifica claramente os traços mais livres de Anita (que ela abandonaria em seguida), com as cores dominando a composição, o fundo plano e expressividade concentrada nas cores fortes das faces e da testa. Houve reclamações: O “ar messiânico” e a “magreza espigada”, comentados por Mario de Andrade como se ele tivesse “jejuado quarenta dias e quarenta noites” revelavam, segundo suas próprias palavras, o espírito dessa fase de delírio que vivenciou. Coloco isto aqui porque acredito haver uma costura interessante a ser feita entre as interpretações plásticas dos artistas, a interpretação pessoal do próprio retratado como modelo exigente (e nem sempre justo) que era, e a do espectador deste blog que deve também exercer o seu direito à interpretação. Então, por favor, olhem, comentem e constatem que Mário de Andrade não passava de uma diva.

Nenhum comentário: