sexta-feira, 27 de julho de 2007

Tal pai, tal filho!

O que no pai era apenas pseudônimo, nele tornou-se nome próprio, só que acrescido de um Fils no final para dar distinção, ficando então como Alexandre Dumas Fils (Filho), ou simplesmente Dumas Filho. Mas a despeito da semelhança de nome e até mesmo física, Dumas pai e Dumas filho eram bastante diferentes, quer moral, quer artisticamente.
Quando Dumas pai, em 1831 alcançou o auge de sua reputação literária e, consequentemente, sua estável situação financeira, descobriu que tinha um filho com Marie-Catherine Labay, a mulher que costurava seus ternos e a quem ele recorria nos momentos de fogosidade. Nessa época o menino já estava crescidinho e até então fora vítima, bem como sua mãe, da chacota maldosa dos vizinhos e parentes. A triste lembrança desse período o acompanharia a vida inteira e seria expressa nos últimos romances: O Filho Natural e Um Pai Pródigo.
Mas o Dumas pai, como não tinha outro filho, nem era tão egoísta quanto se supunha, foi sensível ao sofrimento do garoto e apressou-se em reconhece-lo publicamente, logo exigindo sua guarda. A mãe, que não foi objeto da mesma compassividade, tentou fugir com o filho, mas não conseguiu. A amargura dela só teria fim quando o filho se tornasse famoso.
Tantos transtornos e conflitos dariam ao pequeno Dumas uma índole sisuda e pensativa, bem como um temperamento calmo e um tanto melancólico. Noutros termos daria um personalidade bem diferente do genitor que era um consumado fanfarrão.
A relação com esse fanfarrão, entretanto, era boa, muito boa. O velho Dumas o mimava e dava-lhe de um tudo – talvez na tentativa de amenizar a ausência da mãe. E ao perceber que o filho herdara sua imaginação e talento, outra vez apressou-se em abrir-lhe o caminho do concorrido mundo da literatura, publicando então uma coletânea de versos que o garoto havia intitulado de Pecados de Minha Juventude.
Por falar em pecado, o pai também não poupou meio de propiciá-los: em 1844, o velho fanfarrão contratou a cortesã mais sofisticada e desejada de Paris, Marie Duplessis, para iniciar o jovem Dumas nos mistérios do amor. Ela era jovem como ele, e além dos muitos atributos físicos, era também inteligente e sensível. Com efeito, sobreveio uma paixão tão furiosa que eles puderam se amar tanto, ou até mais do que estava previsto no contrato.
Todavia, devido aos muitos e poderosos amantes de Marie Duplessis, eles nunca puderam firmar a união. E após três anos de amor clandestino, ela morreu deixando terrivelmente só e desolado. Para se consolar, o jovem Dumas escreveria sua obra-prima, A Dama das Camélias, um dos mais belos romances da literatura francesa.
Pela ocasião de seu lançamento, a história teve uma repercussão discreta, porque era um romance pouco romântico e um tanto realista (leia-se imoral). O velho Dumas pai sugere então que o filho faça uma adaptação para o teatro. Ele segue o conselho e obtém êxito imediato, e não só na França, mas em toda a Europa e na América do Norte. O sucesso da peça, além de alavancar sua carreira, possibilitar-lhe-ia a independência financeira e a dignidade de sua mãe.
Mas esse sucesso também teve um efeito contrário, visto que acabou ofuscando a produção posterior do autor. Até hoje muitos acreditam ser essa peça sua única criação literária. Ledo engano! Sua obra é tão ampla quanto encantadora e precisa ser redescoberta, pois o que mais a caracteriza é a imensa compaixão que demonstra pela mulher, principalmente a marginalizada.
Suas páginas são uma denuncia constante da hipocrisia que gera mães-solteiras e que relega muitas moças à prostituição só por terem ousado amar antes ou fora do matrimônio. E essa denúncia é feita com conhecimento de causa.
Certamente isso explica o fascino inesgotável da heroína da Dama das Camélias, pois nelas Dumas não retrata apenas a rica e desafortunada cortesã Marie Duplessis, mas também a pobre igualmente marginalizada Marie-Catherine, sua mãe.
A Dama das Camélias é síntese dos dois grandes amores da vida de Alexandre Dumas Filho, e os dois lados da mesma moeda.

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