quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O Anjo Banido

Certo dia no apogeu do seu reinado, o imperador Ming Huang recebeu embaixadores da Coréia que lhe trouxeram importantes mensagens escritas num dialeto que nenhum dos seus ministros conseguia entender. Indignado e constrangido pela situação, o imperador decretou que se a mensagem não fosse decifrada no prazo de três dias, todos os seus ministros seriam enforcados.
Durante um dia os ministros confabularam e se atormentaram temendo pelas próprias vidas, até que se lembraram de chamar um poeta chamado Li Po, que era conhecedor de todas as línguas. Li compareceu, leu a carta e ditou uma resposta sábia, que o imperador assinou sem hesitar, quase acreditando no que seus ministros diziam: que o poeta era na verdade um anjo banido do céu por uma alguma travessura.
Provavelmente essa estória é uma invenção do próprio Li, que se empenhava em ser uma lenda. E conseguiu.
Na noite em que Li Po nasceu, no ano de 701, sua mãe – pertencente à família Li – sonhara com Tai-po Hsing, a Grande Estrela Branca, que no ocidente é conhecida por Vênus. Assim a criança foi chamada de Li, que significa jóia, e recebeu o sobrenome Tai-po, Estrela Branca. Aos 10 anos de idade, ele já conhecia a fundo todos os livros de Confúcio, fazia comentários do Tao e compunha poesias imortais. Era autodidata e um tanto megalômano; supunha-se capaz de seduzir qualquer mulher com seus versos melífluos.
Com efeito, casou cedo, mas ganhou tão pouco dinheiro que a esposa o deixou e levou os filhos. O imperador ajudou-o e cobriu-o de presentes por ele ter prometido compor a mais bela elegia poética jamais escrita para uma mulher, que neste caso seria Yang Ywei-fei, a prestigiosa concubina imperial. Li cumpriu a promessa, mas a chata da Yang achou o poema excessivamente erótico, quase lascivo, e conseguintemente convenceu o imperador a banir o poeta dos domínios do Império do Meio, ou seja, de toda a China.
Desde então Li Po nunca mais teve sossego, e levou uma vida errante e abjeta.
Os últimos anos do poeta foram os mais amargos, pois ele jamais se humilhou para ganhar dinheiro e no caos da guerra e da revolução não encontrou um único mandarim que lhe evitasse a fome. No entanto, ao final dos tumultos foi declarada anistia geral e o velho Li pôde se dirigir para casa os seus passos vacilantes. Três anos depois adoeceu e morreu, mas a lenda, descontente com essa morte comum para uma alma tão rara, contou que ele afogou-se num rio, bêbado, tentando abraçar o reflexo da lua na água.
No conjunto, os trinta volumes de versos delicados e agradáveis que Li deixou garantem-lhe a reputação de maior poeta da China. “Ele é o ápice sublime do Tai dominando milhares de montanhas e colinas, é o sol em cuja presença milhões de estrelas do céu perdem o brilho cintilante” - afirmou um crítico chinês.. O mundo ocidental conheceu Li Po através de uma tradução livre realizada por Ezra Pound, e da qual Cecília Meirelles nos deu uma versão em português. Graças as muitas imagens taoistas vertidas em sua poesia, Li Po escrevia com a simplicidade de um poeta moderno, e sua melancolia, às vezes, chega a lembrar o heteronômio pessoano Alberto Caiero.
Aproximadamente mais de mil dos seus poemas subsistem na atualidade.
Portanto, podemos declarar que o imperador Hang e Yang sua antipática concubina estão mortos, mas Li Pó ainda canta!

Um comentário:

Anônimo disse...

japonesamente devo dizer que li.
li li po, li.s