quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Erótico neurótico


David Herbert Lawrence nasceu em 1885 em Eastwood, perto de Nottingham. Filho de um homem rude e bêbado e uma ex-professora muito refinada, que o criaram num ambiente de terríveis conflitos conjugais.
A trajetória escolar de David foi exemplar. Na escola secundária de Nottingham foi premiado em matemática, francês e alemão. Logo passou a dominar também o italiano e o espanhol. E não tardou para tornar-se professor em Croydon. Mas uma fúria para escrever o perseguia desde muito jovem.
Aos dezessete anos pegou uma pneumonia que arruinou sua saúde. Pelo resto da vida Lawrece teria que lutar contra a tuberculose (que no fim acabou vencendo). Foi durante a convalescença que começou a escrever e a aperfeiçoar seus poderes literários.
O gênio de D. H. Lawrence é notavelmente versátil, incluindo romances, contos, poemas, ensaios críticos, narrativas de viagem, comentários apocalípticos e quase qualquer outro gênero. Para alguém que morreu aos 44 anos, Lawrence teve uma produção prodigiosa: cerca de 75 volumes, muitos dos quais publicados postumamente - e que hoje é pouco lido. Política e culturalmente incorreto, Lawrence nunca foi muito bem quisto pelos “arcontes” da crítica. O conteúdo declaradamente sexual de suas narrativas foi o principal motivo de sua elevação e queda. A vida e a obra dele são quase inseparáveis, mesmo quando usadas para mútua dissimulação: em todos os texto vemos como, em vão, tentava esconder a própria bissexualidade. A contenda pessoal de Lawrence com questões de identidade sexual e da guerra entre os sexos tem base espiritual e implicações psicanalíticas. A percepção das diferenças espirituais fica patente no confuso confronto com Freud, a quem o escritor não conseguia compreender, ou talvez não desejasse compreender. Seja como for, Freud foi-lhe inteiramente dispensável. A exemplo de Blake, Lawrence foi o profeta de uma visão religiosa controversa, mas abrangente, englobando espírito e natureza. Ele ambicionava criar um moderno culto ao falo, mas sem que isso implicasse em opressão à mulher. Esse culto não deveria, segundo ele, voltar-se ao pênis masculino, mas a um grande Falo Universal, símbolo da fertilidade criadora.
Suas duas obras-primas, plenas de erotismo clássico, são o Arco-Íris e Mulheres Apaixonadas, dois textos que ficarão para a eternidade. Contudo, hoje em dia é só pelo O Amante de Lady Chatterley que seu nome é lembrado. A leitura de qualquer destas obras nos permite perceber que Lawrence pretendia deixar claro que para ele sexo e amor são coisas distintas que merecem tratamentos distintos. É claro que o sexo está contido no amor, mas este é qualitativamente diferente do ato físico através do qual se obtém o prazer físico. Mas não é só isso. A omissão dos detalhes indica que a partir do momento que o amor uniu as personagens, a descrição do ato físico perdeu progressivamente sua importância. Isto reforça a tese de que o autor faz uma clara distinção entre o amor (que contém o sexo) e o ato físico desprovido de emoção. Em virtude disto acreditamos que o livro foi injustamente acusado de ser pornográfico. Só seria pornográfico se o autor insistisse na descrição dos coitos até o final, o que não ocorre. A obra de Lawrence sempre nos coloca diante de uma questão delicada: o desejo sexual é fruto de uma opção consciente ou conseqüências de nossas tendências naturais? Leiam e respondam.
Visionário e demoníaco, perturbado e perturbador, D. H. Lawrence foi o gênio mais autêntico que a literatura do século XX pôde ensejar.
É verdade que ele está fora de moda por ter sido alvo da antipatia da crítica politicamente-correta, à qual praticamente nenhum escritor é capaz de sobreviver nos dias de hoje. Mas o gênio sempre acaba por enterrar seus próprios agentes funerários, e eu tenho certeza que sete décadas após sua morte, Lawrence, nas páginas mais marcantes de sua obra, continua a transmitir energias ferozes de espírito, determinação e audácia.

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