segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Lord Melancolia


O Barão Alfred Lord-Tennyson era uma anomalia ambulante, muito bem descrito (por Thomas Carlyle) como um homem triste e solitário, levando consigo um pouco do Caos que, através da poesia, costumava transformar em Cosmos. Mas esse cosmos não nos interessa tanto quanto o caos que, poeticamente, e para fins de boa fofoca, é bem mais interessante.
Nosso ponto de partida é o Prior da igreja anglicana de Lincolnshire, que teve 12 filhos, dos quais Alfred Tennyson foi o quarto. Todos os seus irmãos eram depressivos, sendo que um jamais se recuperou, e Alfred, muito depois de haver se tornado o bem pago “Poeta Laureado” da Rainha Vitória, ainda demonstrava precário equilíbrio mental. Sua obra é o magnífico registro deste fato, e não a toa é o embrião do nonsense. Os grandes mestres vitorianos da poesia nonsense – Edward Lear, Lewis Carroll, W.S. Gilbert –escreviam pastichos de Tennyson, ao ensaiarem versos sinceros que falavam de afeto e arrependimento. Tennyson era o próprio estilo da época, foi sempre o poeta das elegias, sempre lamentoso, melancólico, bastante no estilo de Virgílio, o poeta clássico que ele mais apreciava, assim como em Keats que foi o seu crucial predecessor moderno.
Mas a glória não veio fácil. Até conseguir substituir Wordsworth como poeta oficial do império britânico, Tennyson comeu o pão que o diabo amassou (e às vezes nem isso!). Seus primeiro trabalhos receberam críticas tão desfavoráveis, que por dez anos ele ficou sem escrever uma palavra. Só depois do sucesso merecido de A dama de Shallot, Os Idílios do Rei (saga arturiana que inspiraria “As Brumas de Avalon”) e Maud , é que Tennyson consegue estabelecer a sua reputação de grande poeta.
Foi então que caiu nas graças de rainha, e a fama subiu-lhe à cabeça.
Tennyson começou a assombrar as salas de visitas de Londres com declamações inesperadas de seu mais famoso (e mais longo) poema: Maud, ou Desvario. Tennyson não buscava poder na declamação, como Dickens fazia, mas aplauso, confirmação de que sua obra tinha de fato uma platéia. Dizem que sua abordagem era assim: - Senhora, desgostaria você se eu lesse Maud? Você expiraria?!... Por gentileza as pessoas diziam que não, e se prontificavam em ouvir. Azar o delas, Maud era uma obra mórbida demais para alcançar sucesso popular!
Carlyle lembrava-se dele circulando numa festa perguntando se as pessoas tinham gostado de Maud, e lendo o poema em voz alta, falando “Maud, Maud, Maud...”, e tão sensível à crítica como se elas fossem acusações a sua honra. Segundo outra testemunha, o pintor e escritor Dante Gabriel Rosetti, Tennyson lia a própria obra com a emoção que buscava na platéia, derramando lágrimas com tal intensidade de sentimento que segurava em suas poderosas mãos uma grande almofada brocada e, quase inconscientemente, torcia-a sem parar. Emerson não demonstrava a mesma intensidade ao ler os poemas de Tennyson em voz alta. Em seus cadernos, confidenciou: Pode constituir experiência de auto-hipnose, declamar esses poemas, uma vez memorizado.
Dentre os três testemunhos eu só posso confirmar o terceiro, pois quando está inspirado, Tennyson é realmente um poeta encantatório. É verdade que ele não tem o brilho de um Wordsworth ou de um Keats, e é verdade também que viveu à sombra de Keats, mas trabalhou bastante o seu estilo para alcançar a linguagem do seu próprio gênio. E conseguiu.
Por isso digo que terminado o século XX, a já secular depreciação de Tennyson haverá de cessar, e o seu gênio mórbido será reconhecido por quem ainda for capaz de ler poesia.

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