sábado, 4 de agosto de 2007

Rebeldia Lírica


De origem aristocrática, Percy Bysshe Shelley nasceu e cresceu na fazenda de Sussex, no interior da Inglaterra. Sua pessoa era um vivo contraste entre a aparência frágil e feminina, e o caráter indócil e contestador. Um tipo de personalidade que pode ser definido numa frase: um menino mimado!... Isso a priore explica porque tão agradável criança se tornaria no jovem poeta rebelde, e um tanto egoísta, cuja carreira brevíssima sacudiria a literatura inglesa. Tudo começou em 1810, quando ele foi expulso de Oxford, por publicar um panfleto intitulado “Necessidade do Ateísmo” – que tinha sido enviado aos reitores da universidade, em sua maioria clérigos anglicanos.
Em conseqüência, o pai de Shelley cortou sua mesada e ainda ameaçou deserdá-lo. Sempre arrogante e desafiador, o poeta desdenhou da reação paterna e fugiu de casa com a namorada Harriet Westbrook, uma moça de 16 anos, filha de um taberneiro de Londres, que viria a ser sua primeira esposa. Juntos eles passaram dois anos viajando pela Inglaterra e a Irlanda, distribuindo panfletos contra injustiça política e social. Ele tentou fundar uma pequena comunidade de “espíritos livres” em Lynmouth, Devon, no País de Gales, mas logo foi expulso a bala por um pastor metodista.
Shelley continuou a vida nômade e publicou em 1813 o seu primeiro poema importante, a Rainha Mab, que depois ficou conhecida como a “Bíblia dos Anarquistas" – uma coletânea de versos cujo tema era o amor livre, o ateísmo e o vegetarianismo!... Por falar em amor livre, o jovem Shelley, pouco depois de haver desposado Harriet, iniciou um romance paralelo com Mary Wollstonecraft Godwin, a filha do filósofo e anarquista William Godwin. Um triste dia, Harriet descobriu a traição e, claro, não aceitou. Mas Percy era “livre” demais para se preocupar com os sentimentos da esposa. Com efeito, abandonou-a gestante e fugiu com Mary para o continente. Dois anos depois do ocorrido, mas precisamente em 1816, Harriet suicida-se, e Percy sabendo da tragédia, não perdeu tempo e casou-se com a amante, que então passou a ficar conhecida como Mary Shelley (a autora de "Frankenstein").
É também por esta época que se muda para Roma e conhece os poetas John Keats e Byron, com os quais formará a trindade romântica da poesia inglesa. Essa amizade seria lendária, todavia curta, visto que pelo excesso de vida, os três morreriam muito cedo.
O primeiro foi Keats. Quando soube de sua morte, vítima de tuberculose e da Quartely Review, Shelley afundou em demorada reclusão, derramando sua cólera e dor na maior das elegias inglesas, Adonais.
Para curar tamanha tristeza, Byron convidou-o a viajar pela costa da Toscana, onde tinha uma casa. Mas essa viagem seria o ensejo de uma tristeza maior. Dizem que quando estavam em alto-mar, uma tempestade se abateu sobre eles destroçando o barco. Shelley não sabia nadar. Sobrevindo a noite e não aparecendo eles em casa, Mary Shelley pressentiu a desgraça. No maior desespero partiu para a praia de Livorno, logo que a manhã rompeu. Lá encontrou Byron e alguns pescadores, mas nada de seu esposo. Energicamente Byron meteu-se à procura do desaparecido, pesquisando a costa palmo a palmo. Oito dias depois encontrou destroços do barco, semi-enterrado na areia; e foram ainda necessários mais oito dias para a descoberta do corpo de Shelley – ou do que haviam deixado as gaivotas. A identificação foi feita pelo encontro de um volume de Sófocles num dos bolsos e um de Keats no outro.
A lei da Toscana exigia que os corpos lançados à costa fossem queimados, para evitar pestilência. Byron e os pescadores colocaram o cadáver numa fogueira, mas antes tiveram o cuidado de retirar-lhe o coração, que depois Mary enterraria junto a Keats, no cemitério protestante de Roma, sob uma laje com a seguinte inscrição: “Cor Cordium” – o coração dos corações.
Quando 29 anos mais tarde Mary Shelley morreu, foram encontradas no seu exemplar do Adonais, num saquitel de seda, as cinzas do amado morto, entre as páginas sobre imortalidade e a esperança que subsiste sempre no coração dos homens derrotados.

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