quarta-feira, 18 de abril de 2007

Coisa de gente pequena

Eu não fui um leitor precoce, não tive infância literária. Pedante, como todo adolescente metido a literato, não quis perder tempo com "bobagens"! Queria livro sério, denso, grosso, de letras miúdas e sem figuras!... Nessa época eu não tinha o dom de distinguir, não percebia que era no encontro com qualquer forma de texto que se têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer nossa própria experiência intelectual. Hoje corro em busca do tempo perdido - que felizmente sei onde achar.
Semanalmente, aqui na biblioteca, fazemos sessões de leituras para crianças em idade escolar; e são nessas ocasiões que eu, tanto quanto as crianças, descubro o Maravilhoso de todas essas fábulas, que ocorrem fora do nosso entendimento, de nossa dicotomia estreita de espaço tempo. Antes eu pensava que a fantasia, em dado tempo, havia se ausentado da literatura, e essa ausência fora preenchida por um releitura limitada de temas. Era tudo tão frio, real, cínico.
Sobreveio então a descoberta das fábulas, que devem ser entendidas como literatura séria - ainda que fantástica - e não como um simples capítulo de pedagogia. Essa literatura não é didática para ser explicada. Atua diretamente no espírito da criança, onde para sempre ficará guardada, por assim dizer. Procuro ter isso em mente quando folheio essas coisinhas.
Nascida no mundo antigo, do folclore, das fábula, das lendas, rapsódias, gestas e cantigas de roda, essa literatura irradiou concomitantemente da Índia e da Grécia. Depois das traduções latinas de Esopo e de Fedro, das Mil e Uma Noites e dos Mil Dias, vários fabulistas despontaram no ocidente. O grande livro medieval no gênero é a epopéia animal, uma Ilíada bárbara, cujos personagens são bichos - quer domésticos ou selvagens.
Na renascença o gênero se estabelece com Fenelon, bispo de Cambrai, e as suas raposas, gansos, asnos, besouros, sapos, porcos, pássaros e morcegos falantes. Também por essa época, da Itália, vem Basile, pai de Rapunzel, da bela adormecida, do gato de botas e de todas as bruxas encarquilhadas, narigudas e más. Um século depois surgem Carlo Collodi, para dar vida a Pinocchio, e o francês Charles Perrault para contar as sinas de Cinderela e Branca de Neve nas Lendas da Carochinha . Passa-se mais um século e os irmãos Grymm decidem reunir tudo numa coletânea de Contos de Fadas, aos quais acrescentam os dilemas infantis de João e Maria e Chapeuzinho Vermelho, entre outros.
Da Dinamarca Hans Christian Andersen nos traz a Pequena Sereia, o Patinho Feio e o Soldadinho de Chumbo, para completar a lista dos clássicos eternos.
Mas a grande ironia desse gênero é também estar constituído de livros originalmente escritos para adultos, que todavia alcançaram seu maior sucesso nas mãos inquietas e despreocupadas de crianças e adolescentes. Sátiras políticas, ficção científica, utopias, denúncias e crônicas sociais como Moby Dick, Robinson Crusoé, Vinte Mil Léguas Submarinas, As Aventuras de Huckberry Finn e As Viagens de Gulliver, caem misteriosamente no gosto da garotada, e ninguém as pode resgatar. Outro caso à parte é a genial criação de Lewis Carrol, a enigmática Alice no País das Maravilhas, cujo ludismo verbal e estilo nonsense caracterizam uma charada acerca dos propósitos do enredo.
No século XX, depois do fascinante Livro da Selva, de Kipling, do Mágico de Oz, de Frank Baum, e do Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, a literatura infantil se torna épica no Senhor do Anéis e nas Crônicas de Nárnia. E assim permance até reencontrar sua simplicidade e tornar-se febre com o Harry Porter.
Em Zalina Rolim, Presciliana Duarte, Francisca Júlia e Olavo Bilac, encontram-se vozes pioneiras da poesia infantil no Brasil. Mas o gênenro só iria se realizar integralmente com o surgimento de Monteiro Lobato, que o definiu dando-lhe independência e verdadeiras obras-primas. Sem esquecer, claro, a imensa contribuição de Maria Clara Machado com seu teatro infantil, que é nitidamente um fenômeno moderno.
Enfim, depois de toda essa retrospectiva, muito loooonga, eu chego a conclusão de que uma crítica justa da literatura infantil só poderia ser feita pelas próprias crianças; porque os adultos ou a sentem no plano da literatura geral ou no terreno pedagógico. Falta-lhes aquela ingenuidade, irrecuperável na vida, através da qual vêem coisas no mistério que ainda não foi revelado - ao menos nas suas aparências.

Portanto, já que não somos críticos capazes, devemos nos limitar a ler, e ler em voz alta.


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